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Os mercados estão porreiros, pá

Proteger as condições de financiamento do país significa uma política que vença os bloqueios económicos que estão na base da estrutura deficitária da nossa economia.

Uma das anedotas que mais vezes me ocorre quando oiço o nosso Governo é a que dá conta da perplexidade de uma criança ao ver a sua mãe a maquilhar-se. Pergunta a criança: “Mãe, porque estás a pintar a cara?”. A mãe sorri e responde: “Estou a pintar a cara para ficar mais bonita”. Mas a criança não fica esclarecida e pergunta: “Então porque não ficas?”. É esta a nossa perplexidade quando ouvimos o Governo falar da inevitabilidade da austeridade como forma de acalmar os mercados.

Na realidade, quando o orçamento do Estado para 2010 foi aprovado, os juros da dívida estavam em 4,3%. Quando foi aprovado o PEC II, os juros estavam em 4,7%. Desde então não pararam de subir. Quando o Orçamento para 2011 foi aprovado na generalidade, estavam em 6,3% e agora atingiram o valor recorde acima dos 7%. E o Governo continua a dizer que a austeridade é a única forma de acalmar os mercados. É essa a resposta? Não. E também não é essa a pergunta.

Os mercados não estão nervosos. Não estão preocupados. Não estão irritados. Na realidade, os mercados, ou, para ser mais preciso os agentes especulativos que intervêm nos mercados nunca estiveram tão calmos. O contexto actual é um contexto que possibilita extraordinárias oportunidades de obtenção de lucros fáceis . Numa coisa, está tudo de acordo. A política de austeridade acalma os “mercados”. Acalma os mercados porque assegura que as economias mais frágeis da União Europeia assim continuarão.

É por isso que a resposta à especulação não pode ser a austeridade. Está visto que os chantagistas não se vão embora porque os países cedem à chantagem. Proteger as condições de financiamento do país significa uma política que vença os bloqueios económicos que estão na base da estrutura deficitária da nossa economia, na área financeira, na energia, na produção agrícola. As propostas do Bloco no Orçamento do Estado apontam para a resolução desses bloqueios e assim terá que fazer qualquer orçamento que queira dar respostas à nossa economia.

Será que os analistas do bloco central não percebem esta realidade? Claro que percebem. O objectivo não é acalmar mercados nenhuns. O objectivo é a recessão. Porque a recessão é um instrumento insubstituível de imposição do medo e da disciplina. É através deste instrumento que o Governo tenta impor o corte salarial na Função Pública, vendido como provisório por Sócrates, mas, nos termos do Orçamento, claramente definitivo. Mas a agenda do bloco central é mais ambiciosa. Trata-se de aproveitar a crise orçamental para proceder a um ataque sem precedentes ao que sobra da protecção do trabalho, comprimir ainda mais os salários e asfixiar os serviços públicos, empurrando cada vez mais os utentes com mais recursos para os privados.

Estas alterações são felizmente intoleráveis para a esmagadora maioria das pessoas. Por isso, é preciso instalar um clima de calamidade que apresente como inevitáveis as transformações sociais que o bloco central há muito vem preparando. A mobilização para a resistência a essa estratégia, a começar pela Greve Geral e a imposição no debate público das políticas alternativas à austeridade são os nossos instrumentos para vencer esta política do medo. E irritar os “mercados”.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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