Só depois de ver aprovadas as novas regras de governação económica – o tal semestre Europeu que impõe maior controlo sobre os orçamentos dos Estados, e prevê sanções mais duras para incumprimentos das metas orçamentais – é que a Alemanha acedeu a reforçar as competências do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Esta não é uma birra nova; é a mesma de há vinte anos.
Em 1991, a Alemanha já deixava claro que só abandonaria o marco em troca de uma moeda forte e de uma configuração da união monetária semelhante à que vigorava no país. O Tratado de Maastricht constitucionalizava, assim, um banco central independente do poder político e focado na manutenção da estabilidade dos preços, que iria fixar a taxa de juro com base nos valores médios da inflação e output gap (diferença entre o produto real e produto potencial; indicador se uma economia está em crescimento ou em retracção) verificados no conjunto dos países.
Mas, no contexto de enorme heterogeneidade de instituições domésticas e dinâmicas económicas entre os estados membros, o requisito fundamental do modelo monetarista do Bundesbank deixava de existir. O modelo monetarista requeria que o banco central fixasse a taxa de juro exacta que (alegadamente) faria com que uma dada economia, numa dada fase do ciclo económico, crescesse sem gerar inflação. Isto exigia a adequação estrita às condições económicas nacionais. Baseando-se na média da inflação e actividade económica dos vários países, uma taxa de juro única para todos seria sempre alta demais (e, portanto, recessiva) para os países cuja actividade económica estivesse abaixo da média, e baixa demais (e, segundo o modelo, inflacionária) para os países com actividade económica acima da média. Em resumo, o resultado seria acentuar os ciclos económicos.
A Alemanha sabia desse requisito fundamental e, por isso, depois da unificação, apressou-se a corrigir as assimetrias económicas entre as regiões ocidentais e de leste com maciças transferências orçamentais e Pactos de Solidariedade que nivelavam os salários no leste com os do resto do país. A União Monetária Europeia, contudo, não previa este tipo de mecanismos para corrigir as assimetrias entre os países europeus que viravam o modelo monetarista ao contrário. O Pacto de Estabilidade e Crescimento (e suas versões mais ameaçadoras) não é, de modo nenhum, um orçamento; é uma espécie (bizarra) de nivelar todos por coisa nenhuma, na impossibilidade de se fazer alguma coisa em conjunto.
É que transferências orçamentais a nível Europeu requereriam consenso (quase literalmente: uma maioria qualificada no Conselho) quanto a política fiscal. E isto num sentido mais amplo do que só estritamente relativo a um imposto comum ou a (alguma espécie de) harmonização dos impostos praticados (o que, num espectro cultural-ideológico que vai da Irlanda à Finlândia, já de si seria uma miragem).
Já Hayek previra que uma integração entre os Estados europeu faria maravilhas pela agenda neoliberal, uma vez que a diversidade cultural e linguística entre os países bloquearia fundamentalmente o sentido de identificação entre os seus cidadãos, boicotando o impulso de solidariedade necessário à redistribuição. Da mesma forma, Habermas defende que a Europa falhará cabalmente a sua promessa de proteger um modelo social no contexto da globalização económica enquanto não estiver munida de instituições políticas para construção de uma identidade colectiva – um demos.
Numa altura em que até Durão Barroso já vai balbuciando “heresias” como Eurobonds, vemos bem desenhar-se no horizonte a necessidade de mais integração política contra a alternativa do falhanço total. Prepararmo-nos para o debate envolve esclarecer que estamos perante um trilema fundamental, em que as posições i) ser europeísta (defender a permanência na zona euro/união europeia), ii) ser “soberanista” (contra mais integração política), e iii) defender políticas socialistas não podem ser as três combinadas. Combinar i) e ii) resulta na integração assimétrica (i.e. integração de mercado sem instituições políticas) que nos trouxe até aqui, e que asfixia quaisquer hipóteses de estado na economia (a nível europeu ou nacional); manter ii) e iii) exige a saída de uma estrutura institucional que impede de facto políticas socialistas a nível nacional; finalmente, manter i) e iii) importa que não tenhamos medo de colocar um debate sério sobre federalismo no centro da agenda. Quanto mais tempo levarmos a reconhecer este trilema e a decidir que dois vértices dele queremos ter, mais provável será cairmos em contradições que nos enfraquecerão de futuro.
