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O Tratado Orçamental é um detetor de mentiras

Foi vulgarizado como Tratado Orçamental, mas na verdade o que significa para nós é austeridade permanente.

O nome completo é Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária. Foi vulgarizado como Tratado Orçamental (TO), mas na verdade o que significa para nós é austeridade permanente. Ao ouvir isto, algumas pessoas rir-se-ão certamente, o que não é surpresa. O tema não é novo mas não admira ser um assunto evitado ou afastado constantemente.

Esta estreia a escrever no Porto24* parece-me o momento ideal para dar uma nova utilidade ao TO, enquanto detetor de mentiras. Parece o momento ideal porque quinta-feira foi discutida na Assembleia da República uma proposta do Bloco de Esquerda para submeter este tratado a referendo. Foi chumbado pelos mesmos partidos que assinaram o memorando de entendimento com a troika, PS, PSD e CDS.

Porque a proposta de referendar este tratado pode parecer secundária, vale a pena resumir uma das suas regras, e apenas uma bastará: a regra de “ouro”. Esta regra diz que os países têm de manter um défice estrutural inferior 0,5% e uma dívida pública inferior a 60%. Só na dívida pública Portugal tem mais do dobro e continua a subir. Sobre o défice estrutural, nenhum país na Europa conseguiu manter um défice estrutural inferior a 0,5% durante os últimos quinze anos. Não sou eu que o digo, é Miguel Frasquilho, figura de proa do PSD e novo Presidente da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), na declaração de voto que submeteu quando votou o TO na Assembleia da República. Como nota, é óbvio que votou favoravelmente, mesmo declarando que é impossível de se cumprir.

Sempre que alguém que apoie este tratado disser que quer acabar com a austeridade, que é demasiada austeridade ou mesmo que é preciso austeridade inteligente, perguntem: “Como vais fazer com o Tratado Orçamental?”. Como vão manter o défice abaixo dos 0,5% sendo que nenhum país na Europa conseguiu fazê-lo? Como vão cortar metade da dívida pública sem uma reestruturação que já em 2011 era urgente?

Portanto, sobre a aplicabilidade desta regra central do TO, creio que ficamos conversados. Neste momento, se alguém estiver a perguntar quem apoiou no Parlamento Europeu este tratado, fica a resposta: Conservadores, Liberais (o grupo que aceitou Marinho e Pinto), PPE (onde estão PSD e CDS), Socialistas (PS) e Verdes (no qual Rui Tavares se inseria até às últimas eleições). O único grupo que se opôs foi o GUE/NGL dos quais o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português fazem parte.

É preciso admitir que um dos maiores problemas em discutir este tratado é que está escrito numa linguagem em que só uma pequena minoria consegue decifrar. E essa é uma grande dificuldade em ter uma discussão pública séria e alargada sobre os seus efeitos e sobre as opções que são tomadas. Em alternativa, podemos sempre olhar para o passado e perceber do que estamos a falar.

Então, se ainda houver dúvidas sobre a possibilidade de Portugal cumprir esta regra de “ouro” basta pensar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que, entre outras coisas, serão necessários vários anos de crescimento nominal do PIB de 3,6%. Olhemos para o passado. Desde 1995, só em 97, 98 e 99, Portugal teve um crescimento nominal do PIB igual ou superior a 3,6%. O Banco de Portugal prevê para este ano um crescimento de 1,1%.

Portanto, podendo concluir que os pressupostos para o cumprimento do TO não serão cumpridos e que isto não passa dum conto de fadas, podemos então passar para a nova utilidade do tratado, enquanto detector de mentiras. A sua utilização é, na verdade, bastante simples. Sempre que alguém que apoie este tratado disser que quer acabar com a austeridade, que é demasiada austeridade ou mesmo que é preciso austeridade inteligente, perguntem: “Como vais fazer com o Tratado Orçamental?”. Como vão manter o défice abaixo dos 0,5% sendo que nenhum país na Europa conseguiu fazê-lo? Como vão cortar metade da dívida pública sem uma reestruturação que já em 2011 era urgente? Na terra da fantasia, bem pode tudo valer. Infelizmente para alguns, por cá, a fantasia (ou o fanatismo?) já mostrou que não nos vai levar a lado nenhum a não ser ainda mais para o fundo.

* Artigo publicado a 14 de junho de 2014 em Porto24

Sobre o/a autor(a)

Membro da Comissão Permanente do Bloco de Esquerda. Doutorando em Ciência de Computadores
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