A lei que estabelece o quadro de transferências de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, publicada em 2018, mereceu o voto contra do Bloco de Esquerda, uma vez que defendemos o princípio da subsidiariedade, ao abrigo do qual as competências estão alocadas ao órgão mais competente para as executar, estando subjacente a este princípio a democraticidade e, como tal, que o órgão seja eleito por sufrágio universal e com escrutínio pelas populações.
No entanto, considera-se que a descentralização, nos moldes em que tem vindo a ser aplicada, viola o próprio princípio constitucional da subsidiariedade agravando as assimetrias regionais.
O que está a ser promovido não é uma descentralização! É uma municipalização de um conjunto de competências do Estado central, que ameaça agravar as assimetrias regionais, ao comprometer a universalidade e igualdade no acesso das populações aos serviços prestados, ao mesmo tempo que promove uma total desresponsabilização do Estado em funções essenciais e estruturais como a Educação ou a Ação Social.
O risco é muito claro: em vez de termos um país que garante igualdade a todas as pessoas nestas áreas, poderemos ter “educações” e “ações sociais” que variam em cada um dos municípios nacionais.
Verifica-se outro problema, que se prende com a falta de meios técnicos e de recursos humanos para o efeito, bem como a possibilidade da existência de conflitos de competências, nomeadamente, no domínio da gestão de pessoal auxiliar.
Acresce ainda a preocupação de que a municipalização de competências do Estado poderá abrir caminho ao agenciamento da contratação e pagamento de pessoal, serviços e empreitadas, transformando os municípios em repartições administrativas de políticas nacionais.
Faz efetivamente falta um poder que promova a descentralização da administração, a regionalização de objetivos e a projeção de políticas adaptadas e assentes nas características do território, das populações e da identidade social – mas o caminho para estas metas não é a municipalização!
O que faz falta, de uma vez por todas, é um compromisso sério com a defesa de um processo de regionalização democrático que tenha como únicos objetivos a promoção da coesão social e territorial, e o combate às cada vez mais vincadas assimetrias regionais. Faz, portanto, falta que se debata e cumpra o desígnio constitucional da regionalização.
Cada dia adiado é um dia de cumplicidade com a intensificação das assimetrias regionais e com a litoralização cada vez mais evidente do nosso país: AML e AMP concentram 60% da população. Esperamos há demasiado tempo por aquilo que é cumprir um desígnio inscrito na constituição.
Artigo publicado em Interior do Avesso a 6 de março de 2022