O parlamento é ainda a principal câmara onde se pode fazer ecoar o debate público através dos vários representantes eleitos de partidos políticos. E esse debate pode conduzir, na maior parte dos casos, à aprovação de instrumentos legislativos que devem tornar-se prática na vida institucional, quer a nível nacional, quer a nível local, e terem também implicações na nossa vida privada.
Ao mesmo tempo, o parlamento pode tomar decisões acerca das implicações que novas tecnologias podem revelar. Isto é, pode promovê-las, pode limitá-las, ou pode mesmo proibi-las. Estou a pensar nos casos da tecnologia de produção de energia nuclear, na co-incineração de resíduos, na aplicação de herbicidas ou na manipulação genética. Mas, mais recentemente, o caso das tecnologias baseadas em inteligência artificial também tem sido objeto de debate a nível parlamentar, sobretudo a nível europeu.
Nestes exemplos conhecemos melhor os efeitos e impactos que estas tecnologias causaram e causam, pelo que a tomada de decisão pode ser mais óbvia. Mas, existem outras tecnologias que ainda estão a ser desenvolvidas e sobre as quais pouco se conhece. As suas implicações ainda são pouco conhecidas. O que fazer então quando há que tomar posição sobre estas tecnologias?
Esta questão não tem uma resposta fácil. Se, nas fases iniciais de desenvolvimento de uma ideia ou de uma tecnologia não existe ainda informação suficiente sobre o impacto possível, noutras fases mais avançadas torna-se difícil colocar limites ou realizar alterações que diminuam os efeitos negativos, pois os produtos que contém essas tecnologias já estarão no mercado. A isto se convencionou apelidar de “dilema de Collingridge” [1] e é um dos principais desafios da avaliação de tecnologia.
Quando hoje falamos sobre computação quântica, ou sobre nanomedicina, inteligência generativa artificial e robótica colaborativa, sabemos que existem ainda poucas aplicações em termos de produtos, o mercado é ainda exíguo, e, por conseguinte, o seu impacto social ainda é pouco conhecido. Justamente, por isso, é necessário o investimento na investigação nessas áreas para conhecer melhor as implicações possíveis e antecipar as consequências dos efeitos positivos e dos negativos. Nestes casos, a avaliação destas tecnologias poderia permitir limitar os efeitos negativos.
Sobre outras tecnologias conhecemos um pouco mais, como, por exemplo, a Inteligência Artificial. Já existem muitos estudos sobre a matéria, e mais recentemente, começaram a existir decisões legislativas em diversos parlamentos acerca desta tecnologia. Têm sido decisões que retomam investigações sobre as dimensões éticas e sociais envolvidas. Nos últimos anos, em particular, nos Estados Unidos, têm existido estudos sobre os impactos da Inteligência Artificial no emprego. Assim, com bastante mais material e resultados empíricos de estudos científicos, é possível legislar com conhecimento de base e as propostas são elaboradas a partir das opções que esses estudos colocam.
Ainda assim, no caso português, tem existido algum debate, mas ainda muito pouca informação empírica. Por exemplo, nem sabemos quantos robôs estão instalados nas empresas no nosso país. Fala-se em “indústria 4.0” mas não sabemos quais os projetos que estão a ser financiados e o que estão a fazer nesta área. Não sabemos que relação existe entre o investimento em sistemas automatizados e emprego (se foram ou não criados empregos, e quantos, se houve necessidade de novas qualificações e como isso foi conseguido), nem em que setores, nem em que regiões. Sabe-se que a inteligência artificial pode ser aplicada no setor bancário, mas não se sabe o que tem sido feito nesta área. Ou seja, os serviços de estatísticas dos Ministérios do Trabalho, da Economia, da Ciência e Tecnologia, da Educação, etc., nem o INE, não procuram sequer coordenar a recolha de informação que nos permita conhecer o que está a acontecer no país. Como poderemos então elaborar propostas sobre o tema?
Mas sobre outras tecnologias ainda em desenvolvimento como é possível legislar? Podemos dizer simplesmente que não é necessário legislar. Assim, atribuímos um papel passivo ao parlamento. Ou seja, os deputados apenas deverão tomar decisões sobre algo que já se conhece bem qual a sua implicação, quer para enquadrar esse “algo” (uma tecnologia, no exemplo que estamos a tomar), quer para o delimitar. E deverá ser sempre assim? Em minha opinião, não.
O parlamento tem a possibilidade de, antecipando efeitos possíveis de novas tecnologias, legislar e decidir sobre instrumentos que permitam reverter desenvolvimentos potenciais de uma nova tecnologia. Senão, poderá ser demasiado tarde... E porquê o parlamento? Porque, como disse no início, esse é o local que permite o debate público em torno de um tema novo, sobretudo, de uma ideia ou tecnologia que comporta riscos ainda pouco conhecidos [2]. E a esse debate segue-se a decisão democrática dos dispositivos legislativos que irão ser aplicados pelas mais variadas organizações (empresas, instituições públicas). E por isso, essa fase que antecede a decisão parlamentar é tão importante.
Assim, os partidos políticos deveriam ter a capacidade e a vontade de intervir neste tipo de decisão, trazendo para o debate parlamentar os temas relacionados com tecnologias emergentes. Para isso, há que ter uma posição própria sobre os riscos e as vantagens que essas tecnologias podem trazer. Mas este debate interno nos partidos de esquerda está ainda por fazer. Não é ainda tarde demais.
