O Ministério da Ciência das Boas Intenções

porRui Curado Silva

25 de novembro 2017 - 12:32
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Sob a tutela de Manuel Heitor, o ataque à ciência nacional tem sido muito mais devastador que o do governo anterior, mas sempre sob a cobertura de belíssimas intenções, grandes proclamações e promessas de contratações massivas.

Se há ciência neste ministério, é a ciência das boas intenções. É a ciência de gerar elevadas expectativas de mudança, de recuperação da dignidade e da justiça laboral entre os investigadores, mas que na realidade não tem correspondência na prática governativa. Após a tomada de posse, o Ministro Manuel Heitor pautou os primeiros meses por declarações de rutura com as políticas de Nuno Crato. A transição das bolsas de posdoc para contratos, a luta contra a precariedade e a contratação de 1000 doutores até ao final de 2016, foram algumas das variadas declarações que geraram enormes expectativas entre bolseiros, investigadores e centros de investigação.

Dois anos volvidos, apenas um reduzido número de concursos individuais foi aberto ao abrigo do regime transitório. Atualmente, o ensino superior e a ciência comportam mais de 14 mil trabalhadores precários. Pior, os bolseiros, investigadores e professores convidados não foram incluídos no Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública. Persiste o impasse na abertura de concursos para dar cumprimento à norma transitória (artigo 23.º) do diploma que entrou em vigor em 1 de setembro de 2016, temperado por um clima de passa-culpas entre reitores e ministério. Os reitores queixam-se de o ministério exigir mais contratações para a mesma ou inferior dotação orçamental. O ministério acusa as universidades e os centros de má vontade em contratar novos investigadores. Como ambas as partes têm parcialmente razão, cruzam os braços e quem paga o impasse são os investigadores e todo o sistema científico. Este impasse afeta dramaticamente os bolseiros e as respetivas famílias que continuam a aguardar a abertura de concursos. Para muitos, as bolsas anteriores findaram e os meios de subsistência aproximam-se do fim.

Dois anos depois, ainda não foi concluída a avaliação do único concurso de projetos em todas as áreas lançado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, o veículo mais importante de financiamento da produção científica nacional. O mesmo concurso apresentou novas regras de financiamento mais confusas, uma plataforma de concurso mais complexa que os formulários dos concursos europeus do programa H2020. O orçamento total deste concurso continua vergonhosamente baixo, em continuidade com a filosofia do governo de Passos Coelho e da tutela de Nuno Crato.

Durante o governo austeritário de Passos Coelho, o desinteresse pela ciência e o desinvestimento eram políticas claramente assumidas pela tutela. O pouco que se investiu correspondeu ao discurso da austeridade vigente. Os centros de investigação e os investigadores pelo menos sabiam que não podiam contar com muito. Sob a tutela de Manuel Heitor, o ataque à ciência nacional tem sido muito mais devastador que o do governo anterior, mas sempre sob a cobertura de belíssimas intenções, grandes proclamações e promessas de contratações massivas. Uns secavam intencionalmente o sistema científico outros acenam rosas e deixam secar o que resta.

Rui Curado Silva
Sobre o/a autor(a)

Rui Curado Silva

Investigador no Departamento de Física da Universidade de Coimbra
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