Joe Biden será, possivelmente, o presidente dos E.U.A. que mais dissabores acumulou num curto espaço de tempo, no único mandato à frente dos destinos do Império mais poderoso do mundo, mas em reta declinante para o seu colapso. Por outro lado, a sua saída de cena vai deixar um país e o mundo muito mais perigosos para viver, onde o espetro da catástrofe espreita no horizonte.
A sua vergonhosa retirada da corrida presidencial a um segundo mandato, que se começou a prefigurar após o fraco debate que teve com o extremista republicano Donald Trump, não aconteceu por vontade própria. Foi fruto das enormes pressões por parte da elite de alto escalão e de doadores proeminentes do Partido Democrata, com receio da derrota em novembro próximo e a perda de alguns privilégios. Não foram só pressões, foram mesmo ameaças segundo revelou o New York Post. Há algum tempo que vinha sendo preparado o «golpe palaciano» que Biden procurava contrariar a todo o custo com «raiva e frustração». Os principais democratas «ameaçaram invocar a 25.ª Emenda da Constituição dos EUA para impedir Biden de tentar a sua reeleição», segundo fontes anónimas do jornal.
Joe Biden assistiu no início do seu mandato, sem nada poder fazer, a uma das maiores derrotas política, militar e ideológica do império que tutelava. A queda de Cabul para os obscurantistas talibãs, em 15 de agosto de 2021, culminou na reconquista do Afeganistão e na expulsão das tropas norte-americanas e de outras forças a soldo da NATO. Os helicópteros lotados que transportavam funcionários da Embaixada dos Estados Unidos para o aeroporto de Cabul faziam lembrar, com surpresa, as cenas que se viveram em Saigão (hoje Ho Chi Minh), Vietname, em abril de 1975. A velocidade com que os talibãs ocuparam o país foi impressionante, conduzindo ao colapso em poucos dias do exército afegão composto por 300 000 homens e à rendição incondicional do governo fantoche, tendo à frente o presidente corrupto Ashraf Ghani que acabou por fugir e refugiar-se em Omã. Exército afegão que foi armado e treinado pelos norte-americanos e outras potências da NATO.
O vigésimo aniversário da “guerra ao terror” terminou assim, com uma derrota dos EUA e da NATO. Nenhum dos objetivos “libertadores” anunciados pelos EUA com a invasão do Afeganistão foram cumpridos: liberdade e democracia, direitos iguais para as mulheres e destruição dos talibãs.
Desde 2001 o número de soldados norte-americanos que lutaram no Afeganistão ascendeu a 775.000. Destes, 2.442 foram mortos e 20.666 morreram na guerra. Segundo informou a Associated Press, em 2021, morreram devido à ocupação 47.245 civis, no entanto ativistas de direitos civis afegãos deram o total mais alto, cerca de 100.000, enquanto os feridos foram cerca de 300.000. O número de refugiados situou-se nos 2,7 milhões, enquanto que 4 milhões tiveram de se deslocar internamente.
Os gastos com a invasão e ocupação do Afeganistão foram colossais, atingindo 2.226 milhões de dólares segundo o Projeto Custo de Guerra. Só em despesas com a guerra os EUA gastaram 815,7 mil milhões de dólares. Todo o investimento feito foi entregue aos talibãs. Joe Biden limitou-se a assistir a mais uma derrota do império que dirigia, sem nada poder fazer. Um desastre completo.
Mal tinha assentado a poeira do fiasco dos EUA e da NATO na Ásia – Portugal, por pertencer à NATO também foi um dos derrotados – Putin deu início, em fevereiro de 2022, à invasão ilegal e criminosa da Ucrânia, atiçando as labaredas da guerra na Europa. Desde então, assistimos a milhares de mortes e feridos, milhões de refugiados, aldeias, vilas e cidades convertidas em ruínas. Os EUA e a NATO aproveitaram o acontecimento para se refazerem da derrota sofrida no Afeganistão e para se reforçarem. Biden, o complexo militar-industrial-financeiro norte-americano e a elite política, militar e financeira dos diversos países da Nato consideraram que o momento “era de ouro” perante as centenas de milhões de dólares e euros que os negócios dos armamentos iriam provocar. E passaram a apostar numa derrota estratégica da Federação Russa, sem importar o preço a pagar. A escalada da guerra, que só conduz a mais morte e destruição, tinha de prosseguir e qualquer negociação de paz tinha de ser afastada. Joe Biden assumiu-se como o timoneiro desta frente guerreira a caminho do Armagedão, o que ainda não foi afastado.
Ao optar pela escalada da guerra e pelo reforço da NATO, Biden acentuou a subserviência rastejante dos governantes da União Europeia que estão a impor aos seus cidadãos as consequências económicas da guerra, o que está a fazer crescer os populismos de extrema-direita. Assim, um dos legados de Joe Biden é deixar um mundo mais perigoso, incluindo o reforço da extrema-direita, em particular na Europa, mas também nos próprios EUA caso Trump saia vencedor das presidenciais de novembro.
O outro legado de Joe Biden – dramático, terrível e bárbaro – tem a ver com o que se passa no Médio Oriente, mais propriamente nas terras da Palestina. A propósito do ataque do Hamas em 7 de outubro passado, os sionistas criminosos do Estado de Israel, com Netanyahu à cabeça, já assassinaram 40.000 palestinianos e feriram outros 90.000, onde se incluem milhares de crianças e mulheres inocentes. Como se isto não bastasse provocaram a destruição bíblica de Gaza, arrasando cidades e nestas as suas casas, ruas, infraestruturas de água, saneamento e eletricidade, escolas, hospitais, mesquitas e bombardeando e matando os palestinianos, onde quer que se encontrem. Também os matam à fome, à sede e sem medicamentos. O objetivo é o extermínio da população de Gaza (e depois de toda a Palestina) visando a criação de um super-Estado sionista.
Os carrascos e neonazis de Israel, para levar a cabo a sua monstruosa tarefa, usam de tudo: aviões, helicópteros, tanques, drones, navios, buldózeres, metralhadoras e toneladas de bombas, máquinas e material de guerra fornecidos, principalmente, pelos EUA e também pela UE. E o que fez Biden? Usou a sua influência e poder para parar com tamanho massacre? Não, a não ser umas pequenas e inofensivas críticas aos governantes de Israel. O seu apoio e incentivo tem sido total e continuou a fornecer a Israel todo o tipo de armamento para continuar a matar e a arrasar o que resta de Gaza.
Infelizmente, a maioria dos governantes da União Europeia, seguiram e continuam a seguir as pisadas de Biden, não deixando de fornecer armas aos sionistas. Os governos europeus fracassaram em toda a linha, incluindo o governo português que se recusa a reconhecer o Estado da Palestina. São co-responsáveis e têm as mãos sujas de sangue, tal como Biden e o governo dos EUA, pela tragédia que se vive em Gaza.
Em suma, Joe Biden depois de um mandato de quatro anos à frente do império ianque, deixa um legado muito triste, desastroso e muito perigoso. E sai do poder, sem honra, nem glória, escorraçado pelos seus próprios pares.
