O kitsch na campanha eleitoral da direita portuguesa

porRui Matoso

15 de setembro 2015 - 0:52
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A coligação de direita vem há muito prosseguindo uma estratégias de “relações públicas” baseada no mecanismo kitsch de aprofundamento da ignorância e menorização intelectual dos eleitores.

Sempre soubemos que a ideologia neoliberal ao pretender configurar o indivíduo como unidade de medida isolada da interação social, mais não faz do que repisar o ideário positivista e conservador usado para distanciar os fenómenos dos contextos em que ocorrem, este aspeto é verificável até nas neurociências contemporâneas de matriz mercantil-capitalista, em que o cérebro é investigado como sendo um conjunto de neurónios fechados na caixa-preta craniana, sem relação aparente com o meio social envolvente. Mas há uma exceção, essa relação só se dá no sentido operacional do policiamento das perceções e controlo dos comportamentos, isto é, no inculcamento (incepção) e colonização de ideias feitas, de palavras de ordem ou de medos que condicionam a liberdade de ação e de expressão, o que na atual fase de desenvolvimento cibernético atingiu um nível inaudito de eficácia.

Isto para dizer que, quando se reduz as pessoas à dimensão individual do rato de laboratório, o seu comportamento tende a obedecer a certos padrões previamente estabelecidos (behaviourismo).

No contexto da atual política portuguesa, a coligação de direita vem há muito prosseguindo uma estratégias de “relações públicas” baseada no mecanismo kitsch de aprofundamento da ignorância e menorização intelectual dos eleitores. Essa estratégia é conhecida e referida de várias formas, Pacheco Pereira fala do “Portugal feliz, redimido dos seus vícios passados, empreendedor, cheio de esperança no futuro, deixando a 'crise' para trás, virado para o 'Portugal para a frente'?”. Francisco Louçã, avisa-nos que “para os novos líderes da direita falta de ideologia não significa ausência de ideias: pelo contrário, o vazio do pragmatismo é mesmo uma engenharia social”.

Na campanha da coligação PSD-CDS, podemos ver conjugadas estas duas abordagens, e ver na sua forma kitsch uma engenharia social de produção do happy meal 'Portugal Feliz'. Uma fábrica da felicidade retórica como linha de montagem do capitalismo karaoke e do consensualismo rasteiro associada ao poder austeritário dos homens de sucesso, leia-se, associada ao ideal da supremacia dos machos brancos com poder, vontade de vencer e ADN empreendedor. Ou se preferirem, vejam-no como uma versão tuga do sonho americano, um sonho em que a política se transforma em entretenimento tragicómico.

Na propaganda eleitoral da coligação PAF é bem notório o traço da iconografia smile, reconhecíveltambém em marcas de grande consumo, da EDP ao Mc Donalds, fazendo jus ao leitmotiv supremo da felicidade empacotada: “Sorria, e o mundo sorrirá consigo”.

Neste cenário, em que até os felizes rostos estrangeiros são proveniente de bancos de imagem e que serviram o objetivo de “humanizar a campanha”, a democracia torna-se uma idiotia, ao mesmo tempo que se aplaude a sua decrepitude.

Esta representação obsessiva da felicidade qualquer e a todo o custo - tanto faz se o rosto da imagem faz anúncios a azeite húngaro, a perfume sírio ou se “representam o esforço que nós, portugueses, jovens ou idosos, fizeram nos últimos anos“ (como afirmou o diretor de campanha) - equivale a uma abstração desrespeitosa e à perda da relação com o real e com os portugueses em concreto, ou seja, equivale a um delírio kitsch e à indução de uma tipologia de persuasão próxima da lógica do marketing e da publicidade a produtos comerciais, neste caso equiparando os os potenciais votantes a mercadorias-fetiche ou a marionetas manipuladas pelo grande ditador.

Afinal, como diz Milan Kundera: “o kitsch exclui do seu campo de visão tudo o que a existência humana tem de essencialmente inaceitável” (Kundera, Milan. 1986. A Insustentável Leveza do Ser, 281-282), e para tal requeresse idolatrar a felicidade, ficando cego para o mundo imundo, o mundo real da miséria, da fome e da pobreza caucionadas pelas políticas de austeridade da mesma coligação que agora imprime rostos extravasantes de falsa alegria.

Tudo isto poderia parecer um paradoxo enigmático, mas não é. Antes pelo contrário, é uma tentativa desesperada de usar técnicas de manipulação emocional - tal como já testado pelo Facebook, por exemplo, e que a famosa série Century of the Self evidencia no episódio sobe as Happiness Machines -, mas também de controlo através da estagnação psicológica, obrigando o mundo a vergar-se segundo a vontade bipolar dos senhores da coligação.

A bipolaridade desta situação, entre a vontade de repressão e a fabricação de felicidade contrafeita, é evidenciada pelo ciclo de euforias contraditórias ao longo dos últimos 4 anos de governação PSD-CDS. Como sabemos o “terrorismo social” de Estado atingiu níveis alarmantes, desde o aumento do número de crianças com fome, de trabalhadores precários que apesar de terem emprego são pobres ou de reformados e que vivem já no limiar da miséria.

Ainda assim, não contente com a desgraça alheia, o primeiro-ministro, na sua intervenção no congresso do PSD em 2014 avisou, com um sorriso sádico esboçado na face, que “quando se começa a levar alguma pancada, as primeiras que podem ser as mais fortes não são necessariamente as que doem mais (...)” (vídeo aqui), prometendo assim mais 'pancada' aos portugueses.

Entre as promessas de dar mais pancada austeritária aos portugueses e o marketing emocional que visa induzir “vibrações positivas” nos eleitores, vai de facto um abismo de emoções e de clichés que normalmente habitam a mentalidade zombie de um centro comercial, onde tudo existe para ser vendido.

Mas, em ambos os casos, Kundera define a identidade do kitsch político de modo negativo: “a identidade do kitsch não é determinada por uma estratégia política, mas por imagens, por metáforas, por certo vocabulário” (idem: 293 -298), e é isso o kitsch na campanha eleitoral da direita coligada, um conjunto de imagens alucinadas que servem o objetivo final da negação de toda a porcaria que fizeram ao longo do mandato.

Rui Matoso
Sobre o/a autor(a)

Rui Matoso

Investigador e docente universitário
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