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O exercício do Direito ao Voto, imagem da democracia

Ficou por explicar como é que o Ministério da Administração Interna trata e processa com tanta falta de cuidado e de critério dados tão sensíveis como os do recenseamento eleitoral.

A imagem é lamentável. Num país já tão afectado pela abstenção, o Governo demite-se de organizar e prever com cuidado o processo eleitoral, parecendo reforçar a mensagem de que votar não é importante e que o fundamental direito ao voto pode ver-se cerceado por trâmites e confusas práticas administrativas.

O seu impacto na sociedade é tremendo. Destas eleições a abstenção sai duplamente reforçada: por todos aqueles que não quiseram ir votar, mas também por todos aqueles que quiseram ir votar e a quem não foi permitido. Sobretudo pela mensagem que tudo isto passa: que o Direito ao voto não parece ser suficientemente importante para estar totalmente acautelado.

Como refere a Comissão Nacional de Eleições, que não tem qualquer competência nesta matéria,  nunca será possível avaliar o real impacto deste fenómeno nos resultados eleitorais. Foram umas eleições representativas? Qual a sua influência real na votação? Isso nunca o saberemos. Mas só estas perguntas minam já a imagem de qualquer democracia.

A explicação não é simples e todas estas falhas parecem ter tido sobretudo origem na inserção, tratamento e consulta de dados do Cartão do Cidadão que, ao que tudo indica, nem sempre foram levadas a cabo de forma uniforme e clara para os cidadãos. Em muitos casos estas alterações apanharam os eleitores de surpresa, que não conseguiram depois ter acesso ao número de eleitor e local onde deviam votar.

Para agravar a situação, os meios de resposta da administração eleitoral foram altamente deficientes e, a certa altura, tornaram-se inexistentes. Bastou o primeiro pico de consultas e o site com a base de dados do recenseamento eleitoral começou a colapsar. Em consequência, e em vez de informar a impossibilidade de acesso, fornecia a informação errada de que o eleitor não constava. Posteriormente também a consulta por sms deixou de funcionar, levando horas, o mesmo acontecendo à linha telefónica.

Um pouco por todo o país, sobretudo nas freguesias maiores, as filas avolumavam-se e muita gente via-se impedida ou desistia de ir votar. Estas eleições ficam assim marcadas pela frustração, em que há um elevado número de cidadãos que se vê impedido de votar por vicissitudes do processo eleitoral.

O que ficou por explicar é como é que o Ministério da Administração Interna trata e processa com tanta falta de cuidado e de critério dados tão sensíveis como os do recenseamento eleitoral. Fica além disso a marca de uma administração eleitoral completamente incapaz de responder aos problemas… que o seu próprio sistema tinha causado. 

Ao mesmo tempo, essa mesma administração reage numa extrema agilidade em desresponsabilizar-se, usando todos os argumentos possíveis - e quase impossíveis também. O Conselho de Ministros parece ter sido o mais recente a chegar a esta verdadeira corrida, não hesitando para isso até em contradizer a informação constante do próprio site do Cartão do Cidadão. Um clássico: correu mal, gerou-se a confusão, eleitores sem conseguir votar. Feitas as contas os responsáveis respondem: afinal a culpa não foi de ninguém.

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