A Constituição da República Portuguesa tem uma frase que nunca é demais relembrar: “O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação (...) contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas (...)”. No entanto, se olharmos para o estado do Ensino Superior, deparamo-nos com um perpetuar das desigualdades económicas que prejudicam quem tenta desafiar o sistema e ter a educação que o seu mérito deveria permitir.
Convido-vos a acompanharem a Odisseia de um estudante numa Universidade Portuguesa. Após ter ingressado no Ensino Superior, para poder frequentar o curso em que entrou deverá ter de pagar “apenas” as propinas, que são tudo menos simbólicas. Se o estudante tiver a ambição de acabar a licenciatura com boas notas provavelmente terá de fazer algumas melhorias: cada exame pedido para esse efeito custa, em média, 12 euros. Terminar a licenciatura também não é sinónimo de falta de obstáculos. Para poder obter o grau de licenciado, terá de pagar entre 15 e 25 euros, caso necessite do certificado (quase sempre necessário). E como a precariedade e os baixos salários são o prato do dia entre a nossa geração, o Mestrado tornou-se o caminho evidente para um futuro melhor. Para prosseguir estudos, terá de se candidatar pagando 55 euros. Como maior parte das candidaturas são feitas na mesma altura, ou joga com a sorte e se arrisca a ficar de fora, ou terá de investir, pelo menos, em duas candidaturas. Sem ter ainda um minuto de formação o estudante já gastou 110 euros. Quando terminar, terá novamente de provar que o fez, voltando a pagar entre 15 e 25 euros.
Já mestre, o estudante desafia o sistema e consegue uma das tão desejadas e escassas bolsas para um doutoramento financiado. Para poder usufruir dessa bolsa terá de estar num programa doutoral à sua escolha. Mais uma vez só para se candidatar pagará as taxas de candidatura e inscrição. O carrossel de pagamentos está aí de novo, como se de uma sina de tratasse. E, no caso dos doutorandos, acrescentemos ainda o custo final da tese, que ultrapassa os 500 euros.
O Estado da Arte das Taxas do Ensino Superior não está longe desta fotografia, testemunho real partilhado por milhares de estudantes do nosso país.
É importante refletir sobre o que se pretende com tantas e tão altas taxas. A resposta mais óbvia é apontar para o problema do subfinanciamento das instituições de Ensino Superior. É inegável que muitas Instituições de Ensino Superior vivem numa constante situação de aperto financeiro. Sendo o Estado o maior responsável por garantir o acesso à educação por todos, tem como tarefa fundamental garantir que há dinheiro suficiente transferido para todo o sistema e que o faça sem atrasos.
Mas não nos enganemos a achar que isto é apenas um problema de falta de financiamento. É uma ideologia que apregoa o elitismo como peneira meritocrática e que nasce da ideia de que só chega ao Ensino Superior quem pode e aguenta as adversidades. Estas instituições aplicam um quadro de taxas e emolumentos pesado porque sabem que o fazem com a chantagem de se afirmarem como o trampolim para uma vida melhor.
Um Ensino Superior que seja um espaço de igualdade de oportunidades é um objetivo que temos de alcançar. Esse espaço não tolera mecanismos onde, sempre à espreita, se procura retirar mais dinheiro aos alunos e as suas famílias, que já não aguentam mais. Na última legislatura o governo tinha uma maioria parlamentar mais do que confortável para garantir o fim das taxas e emolumentos e respeitar a constituição. Se não o aproveitou nesse momento, alguém acredita que o fará agora?
