A ortodoxia económica, que se expressa nas faculdades como a economia neoclássica e na sociedade como o neoliberalismo, descreve os problemas ambientais como sendo casos clássicos de “mercado a menos”. Segundo a sua lógica, todo o bem tem um preço, pelo que não dar um preço a um bem ambiental equivale a dar um preço zero. Isto implica que a preservação do meio ambiente obriga-nos a por um preço na natureza, rejeitando as objeções éticas que possam aparecer.
O argumento foi aceite passivamente por muitos movimentos ambientalistas, sobretudo entre as ONGs que celebram protocolos e recebem fundos de empresas. Para o ambientalismo de mercado, é necessário desenvolver novos mercados ambientais, efetivamente transformando funções de ecossistemas em bens transacionáveis em bolsa. Este ambientalismo serve simultaneamente os interesses do capital financeiro e industrial, dado que oferece ao primeiro oportunidades de acumulação com novos mercados financeiros e ao segundo oportunidades para expandir a sua atividade através da aquisição de direitos de poluição. Os mercados de carbono criados ao abrigo do Protocolo de Quioto são hoje o melhor exemplo deste desenvolvimento.
No caso de não ser possível desenvolver mercados ambientais para todos os bens, o ambientalismo de mercado prescreve a aplicação de instrumentos de avaliação que permitam estimar preços para os bens ambientais, de forma a poder realizar análises custo-benefício. Seguindo a lógica da ortodoxia económica, uma vez que tudo tenha um preço, incluindo a vida de um lince ibérico ou de um ser humano, será possível comparar os custos e os benefícios de um projeto com impactos ambientais significativos, como a construção de uma barragem ou de uma central a carvão, e decidir de forma objetiva. Quem vive com os pés assentes no chão, contudo, não ficará surpreendido por saber que as análises custo-benefício realizadas por economistas ao serviço de universidades ou governos invariavelmente atribuem um valor baixo à proteção do ambiente, legitimando a sua destruição ao serviço da acumulação de capital.i
Não surpreende, portanto, saber que não faltam empresários que prescrevam a financeirização da natureza como a condição fundamental para a (impossível) tarefa de conciliar crescimento económico sem limites com sustentabilidade ambiental. Em declarações recentes, o presidente da Nestlé, Peter Brabeck-Letmathe, chegou ao ponto de categorizar a defesa da água como um direito humano como uma posição extrema, em contraposição à defesa da água como uma mercadoria que deve ter um preço de mercado.ii O que o empresário defende, ecoando os apelos do ambientalismo de mercado, é que a crise da água apenas poderá ser impedida caso empresas como a Nestlé se apropriem deste recurso cada vez mais escasso, deixando grande parte da humanidade a morrer à sede.
A ideia de que apenas damos valor a algo tão precioso como a água que bebemos ou o ar que respiramos quando tem um preço é, contudo, contra-intuitiva. Pelo contrário, as políticas ambientais mais eficazes são baseadas em valores não mercantis, como a saúde humana ou a conservação de espécies. Entregar a natureza à voracidade do mercado é garantir a sua devastação.
O uso de métodos de avaliação ambiental é necessário quando está em causa uma compensação por danos realizados, como quando uma empresa é condenada a pagar uma multa por um crime ambiental cometido. Mas nunca estes valores monetários devem ser usados como preços que legitimem decisões futuras. Por um preço num bem ambiental implica aceitar que pode ser destruído, desde que alguém esteja disposto a pagar o preço. Recusar por um preço num bem ambiental, pelo contrário, implica defender que o seu valor não pode ser expresso em dinheiro e recolocar no centro do debate os valores que estão na base do ecologismo.
iEsta regularidade é assinalada em Ackerman, F., & Heinzerling, L. (2005). Priceless: on knowing the price of everything and the value of nothing. The New Press.
iiA declaração, traduzida para inglês, pode ser vista em http://youtu.be/4C29_U0Ksao?t=2m
