Está aqui

O discurso submisso

“Quem manda é quem paga” é o discurso da submissão que chegou ao debate político pela mão do PSD, mas que já tem sido executado pelo PS.

A direita bafienta já nos tinha anunciado a vontade de suspender a democracia por 6 meses. Alegou que tinha sido mal interpretada, que o sentido era figurado, mas essas desculpas mostraram razões para acentuar ainda mais as impressões iniciais.

O debate do Orçamento de Estado para 2011 (OE) trouxe um novo capítulo nesta discussão. Na sequência da sua intervenção, Manuela Ferreira Leite deixou escapar mais uma frase que ilustra a sua real concepção da democracia: “quem manda é quem paga”. Esta frase encerra toda uma visão do Estado e da sociedade, que deve ser analisada. É o discurso da desistência, da inevitabilidade e da injustiça, mas, sobretudo, o discurso da submissão ao poder, da submissão ao capital.

Os mercados são os donos do capital e, por isso, mandariam legitimamente. Mesmo que mandem mal, que não se reconheçam no que mandam ou que até tenham interesses em que o que mandam seja para piorar a vida dos portugueses. O relevante é que mandam e, segundo Ferreira Leite, isso é mais do que suficiente. Daqui fica claro que o PSD não tem qualquer divergência de fundo para com o OE proposto pelo PS: foi um orçamento pensado para responder aos mercados e, por isso, o PSD reconhece-lhe essa legitimidade.

A verdade, é que os mercados mandam mal, porque as soluções que oferecem são as que criam mais desigualdade, são as que mais afectam quem menos tem, são as que hipotecam o futuro do país e das famílias. Mas, os mercados também não se reconhecem no que mandam: os juros da dívida soberana portuguesa continuaram a subir, mesmo após a aprovação do OE que eles pediram. Outro facto curioso é que aos mercados até interessa que nada de substancial mude nas políticas públicas, pois assim conseguirão ganhar ainda mais dinheiro especulando com o destino do país. É a receita de menos salários e pensões, menos apoios sociais, menos Estado e mais privatizações, para que, no final, nos digam que ainda têm de cortar mais, porque os mercados têm uma fome insaciável. E assim, de corte em corte, vamos ficando cada vez mais nas mãos dos mercados.

A visão da legitimidade pela força do capital é também clara nas relações existentes na esfera do trabalho. E, aqui, mudando os protagonistas, o filme é idêntico. Se quem manda é quem paga, ao trabalhador nada restaria senão obedecer. E, assim, o PSD diz-nos que são inevitáveis situações como a que aconteceu na Peugeot Citroen de Mangualde. Esta empresa despediu mais de 500 trabalhadores no ano passado. Agora torna a contratar 300 desses trabalhadores, para os mesmos postos de trabalho e para o mesmo horário, pagando menos cerca de 25% do salário. E, assim, se legitima a pressão para a diminuição dos custos do trabalho através do ataque aos salários, se torna a precariedade uma regra e se liberalizam os despedimentos.

“Quem manda é quem paga” é o discurso da submissão que chegou ao debate político pela mão do PSD, mas que já tem sido executado pelo PS. Assim o PS disse ao que vinha com o OE, mas também já tinha deixado bem claro que era essa a sua visão da sociedade. Aliás, está bem clara esta visão no Código de Trabalho do PS que legitima o que se passou na Peugeot Citroen de Mangualde. Foi até o Governo PS que atribuiu apoios à empresa mesmo sabendo das práticas que estava a levar a cabo…

O discurso da submissão esgotou-se e não pode mais ser aceite. Na realidade, aqueles que sempre pagaram ao longo da história são os que vivem do seu trabalho e sempre foram chamados a pagar as crises dos outros. São aqueles que vivem cada vez com menos salários, com menos pensões, com menos apoios sociais, com menos Estado Social, com menos direitos e com menos garantias… É chegada a hora de dizer basta. São essas as vozes que têm de gritar bem alto contra as medidas de austeridade que o capital exige, mas que o país já não aguenta. São essas as vozes que no dia 24 de Novembro se têm de unir na Greve Geral, pedindo um Portugal mais justo, mais solidário e com políticas que nos garantam um futuro que não seja um regresso ao passado.

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
(...)