O delfim

porRui Pedro Moreira

03 de maio 2023 - 23:41
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Fixem este nome: Armindo Monteiro. Já estava na estrutura da CIP mas virou comandante. Vai aparecer muito na televisão, habitar tudo o que for espécie de rádio, entrar de rompante pelas portas do poder e tentará evangelizar tudo o que forem cabecitas menos preparadas e mais egoístas.

Fixem este nome: Armindo Monteiro (AM). Já estava na estrutura mas virou comandante. Vai aparecer muito na televisão, habitar tudo o que for espécie de rádio, entrar de rompante pelas portas do poder e tentará evangelizar tudo o que forem cabecitas menos preparadas e mais egoístas. Este espadaúdo homem é o (quase) Kim Il Sung da CIP, eleito com 87% dos votos. Faltou a unanimidade, que raios, mas sobrou a aclamação.

AM está no lugar certo, a ser apresentado como alguém que "sabe bem o que é pagar salários aos seus empregados e impostos ao Estado no fim de cada mês" (isto não se inventa, é José Gomes Ferreira dixit). Adepto da subcontratação de serviços e que as empresas tenham só o que for estritamente essencial, vai ao ponto de invocar que existem gurus da gestão moderna, assim tipo Zeinais Bavas mas em estrangeiro, que pensam como ele. Então, vai pensando em voz alta: "imagine que há uma mudança de escritório que já não obriga a ter uma pessoa a tempo inteiro e é necessário 2 ou 3 horas apenas? O objetivo é contratar uma empresa para fazer esse trabalho, que tem trabalhadores à mesma!", atira, confiante. Para AM, o ideal é alugar seres humanos, aliviando a massa salarial dentro de portas e externalizando o encargo e o risco. O que está escondido neste pensamento é a desvalorização do trabalho e a menorização da função. Notem bem os exemplos que deu: as limpezas e as que entregam a comida, os que despacham o lixo, os que registam os pagamentos. No caso da formação é o mesmo: em vez de enriquecer, de conhecimento, os seus funcionários, qual a opção mais rápida e imediata (e até "moderna"): subcontratar, outra vez, de preferência recorrendo aos nómadas digitais. Why not? 

Empresários como AM fazem escola, são sempre famosos e destacados pelo seu passado: de Belmiro dizia-se que "se fez à vida", de Amorim "um mouro de trabalho", de Nabeiro "o amigo do povo". AM também tem marca: criou a sua primeira empresa aos 22 anos, antes mesmo de sair da faculdade. De AM pode-se falar na Compta, considerada a primeira empresa tecnológica portuguesa formada em 1972 e que faliu em 2022 com apenas 3,7% do seu capital, tendo sido AM o principal acionista e Presidente Executivo durante mais de uma década. Dois anos antes de se finar, mudou para Future. Irónico, certamente. 

Armindo Monteiro é dono e CEO do Grupo Levon, que tem sede em Lisboa e empresas em Angola, Namíbia, Bolívia e Colômbia

Mas, afinal, quem é AM, o "patrão dos patrões"? Atualmente é dono e CEO do Grupo Levon, que tem sede em Lisboa e empresas em Angola, Namíbia, Bolívia e Colômbia, desenvolvendo atividade nas áreas da construção civil e obras públicas, infraestruturas, ambiente, logística, tecnologias de informação e gestão imobiliária. Ora, o que quererá para a sua empresa então? Construção, a preços descontrolados, para os nómadas digitais, para o tal "atrair de talento"? É uma hipótese plausível, entre outras, creio. Também é o dono da CIP - que recentemente promoveu uma alteração dos estatutos para passar também a permitir aceitar como associadas empresas com volume de negócios igual ou superior a 30 milhões de euros - que é um clube de benfeitores como a Jerónimo Martins, Cimpor, Impresa, Mota-Engil, Bosch, Siemens ou Valouro, havendo também uma notável presença da banca, entre os seus novos sócios, com a entrada do Montepio e do Santander. 

AM opina sobre a ATD (Agenda do Trabalho Digno), clamando pela inconstitucionalidade da lei. Artimanhas. A CIP sabe que a estratégia que lhes cabe é a de fazer ruído, "obrigando" a "negociação"  noutras matérias, em pistas paralelas. Será à boleia desta chantagem, alegadamente, que recebem os subsídios para compensar a subida do  salário mínimo, reduzindo ou anulando o impacto para as empresas, dos associados da CIP. Sim, quem tem financiado as empresas para aumentar o salário mínimo são mesmo os contribuintes. "É lamentável que um país que quer estar na 1ª divisão da economia não se ponha ao lado das empresas e não perceba que está a empobrecer". Sim, é lamentável que a demagogia atinja este limite.

A verdade é que os trabalhadores podem contar com a CIP para continuar a empobrecer, senão vejamos: o "acordo de rendimentos" assinado no final de 2022, com "aumentos" de 5,1% este ano, 4,8% no seguinte, 4,7% em 2025 e 4,6% em 2026, não compensa, no imediato e previsivelmente a médio prazo, todo o dinheiro que os trabalhadores já perderam, perdem e continuarão a perder. Sirvam-se dos estudos que colocam a nu as desigualdades entre quem manda e quem faz e interroguem-se que país é este, com 4,9 milhões de empregados, em que cerca de um quarto dos trabalhadores recebe o salário mínimo nacional, que é sobretudo auferido pelos trabalhadores precários, pelas mulheres, pelos jovens e por pessoas com menos habilitações, que trabalham maioritariamente em pequenas empresas. Interessará a AM discutir a evolução dos salários como estando indexados ao índice de preços no consumidor? Sei que não, portanto, eu prefiro um país em FM Stereo. Se é para darem música, escolham outro DJ.

Rui Pedro Moreira
Sobre o/a autor(a)

Rui Pedro Moreira

Ativista laboral
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