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O centro é que rende

O Governo aprovou na semana passada um pacote de “incentivo à reabilitação urbana”, podemos dividi-lo em três linhas essenciais: maior esvaziamento dos centros urbanos, crescimento da especulação imobiliária e aumento da segregação social.

Existem hoje no país cerca de 2 milhões de casas degradadas, facto que torna evidente a necessidade de investir na reabilitação de prédios devolutos, em vez de facilitar a construção de mais área edificada, levando ao crescimento dos subúrbios urbanos e, consequentemente, levando as pessoas a morar mais afastadas dos centros das cidades e afectando o equilíbrio ambiental.

Esta constatação, de tão óbvia, obrigou o Governo a tomar medidas de “limpeza” da imagem dos centros das cidades. Mas para não fugir à sua conduta moral, preferiu dar a mão aos especuladores imobiliários e dar um pontapé à crescente fatia da população em carência económica.

Os proprietários, que negligentemente permitiram que as suas propriedades se degradassem, passam a poder fazer obras sem necessidade de licenças ou vistorias. Têm ainda uma ajudinha fiscal e a possibilidade de recorrer a um apoio financeiro, para atenuar a dureza da vida de um proprietário e para permitir que as “novas” casas e prédios possam ser negociadas com grandes grupos económicos e pessoas abastadas, dando-lhes a possibilidade de disfrutarem de todo o conforto e centralidade. E ainda podem, fácil e rapidamente, despejar das suas casas as pessoas que têm dificuldade em cumprir o pagamento da renda dos meses anteriores.

De fora deste negócio, ficam as pessoas – que cada vez mais vivem em carências económicas – que se vêem obrigadas a habitar nos subúrbios mais baratos.

Estas são medidas que permitem a especulação e, consequentemente, a segregação social e o esvaziamento dos centros urbanos. Para inverter esta tendência, seria necessários obrigar quem detém propriedades devolutas a assumir as suas responsabilidades e promover o mercado de arrendamento e a compra de habitação a preços mais baixos do que os actuais.

Reabilitar não significa maquilhar. Implica também permitir uma nova vivência do espaço. Do espaço que é, acima de tudo um espaço social, onde as pessoas habitam, trabalham, partilham, sociabilizam...

Sobre o/a autor(a)

Arquitecta paisagista
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