Na ressaca das eleições autárquicas, e em particular da derrota da esquerda em Lisboa, começou a circular a narrativa de que o Bloco de Esquerda se tornou tóxico e que a sua participação em coligações foi até prejudicial. O tema foi lançado por Moedas, que usou uma e outra vez o “papão” do Bloco de Esquerda para tentar atacar Alexandra Leitão, sendo contudo evidente que não foi por isso que ganhou a eleição.
Quem defende a narrativa, uma peça importante da retórica atual da direita, parte de dois pontos. O primeiro é a análise dos resultados do Bloco nas eleições autárquicas e o segundo é o facto de a coligação Lisboa ter tido menos votos em 2025 (90.068) do que a totalidade dos partidos que a compõem em 2021 (102.548).
Sejamos claros, o resultado das eleições autárquicas é mau. É uma derrota pesada para o Bloco de Esquerda em particular, mas também para a esquerda em geral. O Livre, que em 2021 tinha uma representação autárquica praticamente inexistente, concorre sozinho a poucas municipalidades, tem nesse conjunto e a nível nacional menos votos do que o Bloco e elege 12 deputados municipais. O PCP, apesar de ganhar quatro câmaras ao PS, perdeu 11 que ainda governava, incluindo as duas capitais de distrito, e sofreu uma quebra transversal nas vereações, assembleias municipais e juntas. A derrota do Bloco é certamente acentuada e evidencia as suas fragilidades, elegendo sozinho apenas seis deputados municipais. Mas ninguém pode festejar à esquerda, seja quem teve políticas unitárias, seja quem teve políticas sectárias.
Extrapolar, de uma conjuntura de maus resultados à esquerda – todos com o seu contexto –, um fator de toxicidade pela derrota acentuada do Bloco, não constitui um argumento legítimo. Mas o argumento mais interessante de analisar é mesmo o dos resultados da coligação de Lisboa. Depois das eleições, fontes do Partido Socialista afirmaram ao Diário de Notícias, quase como se fosse um facto, que a “associação ao Bloco de Esquerda tem efeitos perniciosos”. Ou seja, há quem procure colar as culpas da derrota da coligação ao Bloco para externalizar os seus próprios pecados.
Certamente é mais fácil pegar no argumento do próprio Carlos Moedas para justificar a derrota de Lisboa do que olhar para os erros táticos que foram cometidos na última semana de campanha. Só que, na mesma notícia, o coordenador autárquico socialista, André Rijo, confirma que os estudos que o partido fez antes das eleições confirmaram que há “vantagem em ter uma coligação envolvendo o Bloco”. Em que é que ficamos?
Para além do argumento de ressentimento do Partido Socialista, que vai fazendo o seu caminho pela comunicação social, podemos olhar mesmo para os resultados das coligações onde o Bloco participou. Em Almada, Seixal, Cascais, Barreiro, Loures, Odivelas, Vila Nova de Gaia, Figueira da Foz, Portimão, Oeiras, as coligações em que o Bloco participou foram essenciais para eleger deputados municipais da esquerda alargada.
É num cenário difícil e o balanço das eleições é negativo. Mas quem tenta rotular o Bloco de tóxico é quem não quer assumir as suas derrotas pelo que são, não quer perceber o país nem os adversários e quem, à boleia disso, procura fragilizar a esquerda que procura construir pontes para resistir. O que é verdadeiramente tóxico é o sectarismo e a incapacidade de combater o inimigo - e essa doença está espalhada por muitos setores do centro e da esquerda.
