O Governo parece ter sido mais desgastado com os casos Miguel Relvas do que com a persistente violência social do seu programa de austeridade que visa refundar a democracia portuguesa num refluxo profundamente reacionário, através do empobrecimento dos assalariados e de uma transferência de riqueza para a burguesia rentista. É evidente que os casos de Relvas são sintomáticos de uma maneira de estar na política que manda para as urtigas qualquer preocupação ética ou prurido de serviço público. Relvas, tal como Passos Coelho, cresceram à sombra dos aparelhos partidários que foram usados como “elevador social” (expressão tão do agrado de Paulo Portas…) e numa profunda promiscuidade entre cargos em empresas, uso do Estado e controlo do PSD. A este “esforço” não podia provincianamente faltar o título de senhor Dr., tal como outrora se cobiçavam os nomes de nobreza. Mas insisto: o governo desgasta-se mais pela telenovelização de episódios grotescos (ainda que nada edificantes e profundamente emblemáticos) do que pelas consequências socialmente desastrosas da sua política de classe o que traduz, ainda, a timidez da consciência coletiva sobre as raízes da crise e as políticas da alternativa.
É certo que o algoritmo está a falhar. Gaspar não acerta uma. A imagem de puro tecnocrata acima dos interesses particulares (com contornos populistas de herança salazarista) foi duramente fustigada pela evidência da política de desastre. A fé ideológica de Gaspar não pode sobrepor-se aos factos. Os modelos perfeitos da economia neoclássica sempre detestaram o ruído dos comportamentos sociais, como se estes fossem excrescências que importava a todo o custo eliminar, em prol da beleza matemática da equação perfeita. A rude resiliência da realidade é hoje o melhor pretexto para animarmos um combate ganhador. O caminho certo e sem alternativa revelou-se, como sempre o dissemos, a antecâmara do desastre. As alternativas têm hoje melhores condições para a conquista do senso comum.