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O admirável mundo novo do Occupy Wall Street

Muitas ocupações de protesto do movimento Occupy foram invadidas recentemente. A presidente da câmara de Oakland participou numa conferência telefónica juntamente com os presidentes das câmaras de outras 18 cidades para falar da situação. O FBI e o Departamento de Segurança Nacional assessoraram as presidências das câmaras municipais.

Passava da uma hora da manhã de terça-feira, quando recebemos a notícia de que a polícia da cidade de Nova York invadiu o acampamento do Occupy Wall Street. Fomos rapidamente com a equipa de reportagem do Democracy Now! para Zuccotti Park, agora batizado de Praça da Liberdade. Centenas de policiais antidistúrbios já haviam cercado a área. Enquanto a polícia destruía as barracas, os trabalhadores de limpeza da cidade deitavam os pertences dos manifestantes nos camiões do lixo. Mais adiante das barricadas, no centro do parque, um grupo de 200 a 300 pessoas estavam de braços dados formando uma corrente humana e negavam-se a ceder o espaço que ocupavam há quase dois meses. Foram algemados e presos um a um.

Os poucos membros da imprensa que conseguiram atravessar as barreiras policiais foram enviados para a área designada para os jornalistas, do outro lado da rua, em frente à Zucotti Park. Quando as nossas câmaras começaram a gravar, dois autocarros estacionaram no local impedindo-nos de ver o que acontecia na praça. Os meus companheiros e eu conseguimos ultrapassar os autocarros e entrar no parque após superar uma montanha de barracas desarmadas, toldos e colchões de dormir. A polícia quase impediu que os média acompanhassem a destruição.

No meio de uma pilha de coisas amontoadas, vimos uma biblioteca destroçada. Já dentro do parque, encontrei um livro solto. Tinha a sigla “OWSL”, em referência a Occupy Wall Street Library, também conhecida como a Biblioteca do Povo, uma das principais instituições que surgiu na dinâmica democrática do movimento. Segundo os últimos dados de que se tenha registo, a biblioteca contava com um total de cinco mil livros recebidos através de doações. O que eu encontrei entre os escombros da democracia que estava a ser varrida para o lixo foi “Regresso ao Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

“Regresso ao Admirável Mundo Novo” é o ensaio de Huxley em resposta à velocidade que a sociedade moderna se dirigia ao futuro desolador. Ter topado com esse livro não poderia ser mais pertinente: o acampamento, que havia sido motivado principalmente pela oposição à supremacia do comércio e da globalização, estava a ser destruído.

Huxley escreveu no seu livro: “A Grande Empresa, viabilizada pelo avanço da tecnologia e a consequente ruína da Pequena Empresa, só pode ser governada pelo Estado, quer dizer, por um grupo reduzido de chefes de partido e de soldados, polícias e funcionários públicos que cumprem as suas ordens. Uma democracia capitalista, como a dos Estados Unidos, só pode ser governada por aquilo que o professor C. Wright Mills chama de Elite do Poder”. E continua: “Esta Elite do Poder emprega diretamente milhões de trabalhadores do país nas suas fábricas, escritórios e lojas; domina muitos milhões emprestando dinheiro para a compra dos seus produtos e, como dona dos meios de comunicação de massa, influencia o pensar, o sentir e o agir de praticamente todo mundo”.

Um dos voluntários da Biblioteca do Povo, Stephen Boyer, estava ali quando invadiram o parque. Após escapar da prisão e prestar os primeiros socorros aos seus companheiros, escreveu: “Destruíram tudo o que trouxemos para o parque. A nossa querida biblioteca foi destruída. A nossa coleção de cinco mil livros desapareceu. A nossa barraca, que foi uma doação, também foi destruída, tal como todo o esforço que fizemos para levantá-la”.

Pouco depois, o gabinete do presidente da câmara de Nova York, Michael Bloomberg, publicou uma foto de uma mesa com alguns livros e afirmou que estes foram conservados. No entanto, a Biblioteca do Povo escrevia a seguinte mensagem no Twitter: “Estamos contente de ver que alguns dos livros estão em bom estado. Agora, onde estão o resto dos livros e a nossa barraca e as nossas caixas?”. A barraca havia sido doada à biblioteca pela ganhadora do Prémio Nacional do Livro e lenda do rock Patti Smith.

Muitas outras ocupações de protesto do movimento Occupy, noutras cidades, foram invadidas recentemente. A presidente da câmara de Oakland, Jean Quan, confessou à BBC que participou numa conferência telefónica juntamente com os presidentes das câmaras de outras 18 cidades para falar da situação. Outra matéria da imprensa observou que o FBI e o Departamento de Segurança Nacional assessoraram as presidências das câmaras municipais.

Um juiz do estado de Nova York pronunciou-se na terça a favor do despejo e determinou que os manifestantes não pudessem voltar ao Parque Zuccoti nem com os seus sacos de dormir, nem com as suas barracas. Após a decisão, um advogado constitucionalista enviou-me uma mensagem de texto que dizia: “Lembre-se: o movimento está nas ruas. Os tribunais são sempre o último recurso”. Ou como canta Patti Smith: “O povo tem o poder”.

Artigo publicado em "Democracy Now" em 16 de Novembro de 2011. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol traduzido para o português por Estratégia & Análise. Revisto para português de Portugal por Carlos Santos

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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