Vejamos um exemplo prático. Eu quero ir a Bruxelas em Junho, para uma conferência de um dia com movimentos pela justiça ambiental. Para ser coerente com os meus princípios ecologistas, tento ver quais são as opções que tenho em alternativa ao modo de transporte mais poluente, o avião. A tarefa é, desde logo, complicada, porque encontrar informações na internet sobre as linhas de caminho de ferro existentes não é fácil, e o sítio da CP não dá qualquer informação sobre como pode alguém viajar na Europa de comboio. Eventualmente, acabo por descobrir qual o percurso que tenho de fazer e o preço respetivo. Repito a tarefa para a camioneta, sendo que neste caso obter informações é bem mais fácil porque há apenas uma empresa que faz transportes internacionais a partir do Porto. Nesta altura, apercebo-me que não tenho dinheiro para ser coerente.
Uma viagem de comboio entre o Porto e Bruxelas dura quase 24h e, para as datas escolhidas, custa 400€, viajando em segunda classe e escolhendo os bilhetes mais baratos para o TGV (o preço varia consoante a hora). Indo de camioneta, a viagem dura um dia e meio e custa 219€. A camioneta, contudo, não parte todos os dias, sendo uma opção que pode obrigar a ficar mais um ou dois dias no destino, com os custos que isso implica. Finalmente, o avião leva-me a Bruxelas em 3h e custa 99€ (viagem em low cost, que é uma forma chique de dizer baixo custo).
Com uma diferença de cerca de 300€ e 20h entre o comboio e o avião numa viagem de menos de 1900 quilómetros, a escolha é fácil. Não admira, portanto, que o transporte aéreo esteja em contínua expansão. Uma realidade que exigiria da União Europeia uma ação forte, para reduzir o número de aviões em circulação. Nem outra coisa seria de esperar de uma instituição que se diz comprometida com a construção de uma “economia verde” e com o combate às alterações climáticas. Mas não é isso que se passa.
A única medida que a UE foi capaz de desenvolver para regular as emissões de gases com efeito de estufa da aviação foi a sua inclusão no corrupto e falhado mercado de carbono europeu. Neste mercado, os poluidores têm de usar licenças de poluição para cobrir as suas emissões, as quais têm sido atribuídas gratuitamente pelos governos. As licenças são transacionáveis, pelo que os poluidores podem sempre comprar mais (a low cost) para continuar a poluir. Até ao fim do ano passado, o mercado excluía os transportes mas a partir deste ano todos os voos com início ou término na UE terão de cobrir as suas emissões com licenças.
Para este efeito, a maioria das licenças de emissão (85%) serão dadas gratuitamente às companhias de aviação. Tendo em conta que estas licenças têm um valor de mercado, estamos perante um enorme subsídio. Pior, se considerarmos que as companhias aéreas estão a aumentar o preço dos voos para compensar o “custo” de participação no mercado de carbono (estimado pelas mesmas empresas), chegamos à conclusão de que estamos perante um esquema que irá transferir dinheiro do bolso dos cidadãos para as companhias aéreas. Um estudo recente estimou que as companhias dos EUA poderão ganhar 2.6 mil milhões de dólares com a sua participação no mercado de carbono, um número que contrasta vivamente com os mil milhões de dólares de prejuízo estimados pela indústria1.
Os compromisssos de redução de emissões exigidos às companhias aéreas, por outro lado, são irrisórios. No fim de 2012, as companhias terão de reduzir as suas emissões em apenas 3% relativamente à média do período entre 2004 e 2006. O objetivo irá no futuro tornar-se mais ambicioso mas mesmo assim o compromisso de redução de emissões até 2020 equivale apenas a um ano de crescimento do tráfego aéreo. Compromisso que, aliás, não tem realmente de ser respeitado, dado que as companhias aéreas podem comprar licenças de emissão e continuar a poluir. Todo o esquema regulatório foi feito de acordo com a vontade das companhias aéreas, com a cumplicidade ativa da Comissão Europeia e do Conselho Europeu2.
Esta trapalhada surge como consequência da opção consciente das autoridades europeias de dar a prioridade ao transporte aéreo sobre o transporte ferroviário de alta velocidade. Uma opção que está patente no fosso entre o investimento massivo na expansão da uma rede de aeroportos e o sempre adiado investimento na criação de uma rede de ferrovia europeia que permita ligar as principais cidades em boas condições de rapidez, conforto e preço. Uma opção que pagamos caro, bem caro, com as consequências das alterações climáticas e com a destruição do território pelos mega-aeroportos.
1 Resultados do estudo disponíveis em: http://www.eaem.co.uk/news/exposed-airlines-make-windfall-profits-eu-ets
2 Conforme descrito num relatório do Corporate Europe Observatory: http://www.corporateeurope.org/publications/climate-crash-strasbourg