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No País da (Des) Informação

O absurdo prevalece nas mais diversas resoluções trazidas a público, como foi a recente decisão de encerrar mercados e feiras de levante para, logo no dia seguinte, voltar tudo atrás. E este é só um entre tantos outros exemplos.

Os atuais decisores políticos seriam uma verdadeira fonte de inspiração para Lewis Carroll, autor do clássico "Alice no País das Maravilhas". Tal como as personagens desta história infantil, as declarações dos nossos governantes situam-se, cada vez mais, no domínio do onírico e do surreal: tudo aquilo que dizem é tão válido quanto o seu contrário. O absurdo prevalece nas mais diversas resoluções trazidas a público, como foi a recente decisão de encerrar mercados e feiras de levante para, logo no dia seguinte, voltar tudo atrás. E este é só um entre tantos outros exemplos.

Desde meados de março, a verborreia dos responsáveis políticos tem servido para quase tudo, exceto para apresentar uma estratégia de comunicação sensata de combate a esta pandemia. O nonsense impera, dia após dia, particularmente nos anúncios extenuantes da Direção Geral de Saúde (DGS) onde residem as maiores contradições, tornando a informação veiculada pouco credível e, claramente, ineficaz. Reúnem-se equipas de experts em diversas áreas para, umas horas mais tarde, assistirmos às decisões mais inusitadas. Fazem-se longos Conselhos de Ministros para se anunciar um chorrilho de ideias, muitas vezes, contraditórias entre si. Dão-se entrevistas aos canais televisivos em horário nobre sem se perceber qual a mais-valia no esclarecimento das opções. Todos se querem ouvir a dizer coisa nenhuma.

Mas afinal o que é que aprendemos com a primeira vaga? Que vantagens nos trouxeram as diferentes experiências dos outros países? Aparentemente, nada, pois, por aqui, não se acautelou o funcionamento do que é verdadeiramente essencial - os serviços públicos. Por aqui subestimou-se o impacto previsível e dramático desta pandemia, nos hospitais, nos lares, nas escolas… Logicamente que não há soluções mágicas para uma situação desta natureza, mas pedia-se aos dirigentes máximos, no mínimo, clareza nas opções e, sobretudo, coerência na comunicação.

Utilizemos o exemplo da educação, onde deambula um ministro imaginário que, sob o feitiço de uma pseudo autonomia das escolas, tem andado completamente oculto, ignorando as contínuas fragilidades do sistema educativo bem como o seu dever de gerir o caos instalado. Não há estratégia, não há planeamento; há, seguramente, uma enorme desorganização, onde prolifera a dúvida e sobrevive a contra-informação. Sob um (des) controle da DGS que, sem mãos a medir, apresenta dois pesos e duas medidas para casos iguais - dependendo do técnico que atende a chamada telefónica -, parece que a lei do silêncio impera junto das direções dos agrupamentos, e os números de alunos, professores, assistentes técnicos e operacionais infetados - embora em crescendo - mantêm-se bem longe da opinião pública.

Em Matosinhos, também se fazem alguns anúncios com pompa e circunstância na comunicação social. Um dos últimos relacionava-se com a adoção de medidas específicas para o município, mesmo em vésperas de um Conselho de Ministros extraordinário com o mesmo fim, para, logo de seguida, essas ideias magníficas serem secundarizadas pelas decisões do Governo. Haja paciência, o povo baralha-se e já está completamente saturado deste desfile mediático numa espécie de jogo do "Quem anunciou primeiro as medidas?". É certo que a familiaridade deste executivo camarário com o atual coordenador do combate à pandemia na região Norte (ex vice-presidente deste município) traz, certamente, informação privilegiada aos camaradas socialistas, mas, convenhamos, pela saúde e sanidade mental do povo, às vezes, mais vale estarem calados.

Houvesse, sim, competência política para implementar as decisões aprovadas pela Assembleia Municipal deste município, como foi o caso da moção apresentada pelo Bloco de Esquerda - com o voto contra do Partido Socialista e a abstenção do PAN - que defendia a testagem regular da comunidade escolar com vista a quebrar todas as potenciais cadeias de transmissão, evitando que este concelho voltasse ao pódio dos mais infetados. Isso, sim, teria sido avisado. A par disso, o imprescindível acautelamento dos recursos tecnológicos para os alunos carenciados, de acordo com o diagnóstico da primeira vaga, não redundaria, com toda a certeza, na situação atual de não existirem, ainda, equipamentos suficientes para viabilizar o ensino à distância. Na verdade, perderam-se aqui duas excelentes oportunidades para se aplicar uma verdadeira municipalização do ensino no concelho de Matosinhos.

Está na altura de sair deste caos informacional, de acordar deste pesadelo mediático e de deixar o domínio do imaginário, até porque, neste país, as pessoas são bem reais. Com um já longo caminho desde o início desta hecatombe, esperava-se mais e melhor. A gestão da informação tem de ser sensata, credível, cuidadosa e eficaz, sob pena de assistirmos ao proliferar dos populismos acéfalos e de construirmos um país onde reina a anarquia e onde os loucos são as personagens principais. Mas afinal de que é que estão à espera os responsáveis políticos?

Sobre o/a autor(a)

Professora. Mestre em Educação e Bibliotecas. Deputada Municipal do Bloco de Esquerda em Matosinhos
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