À medida que a classe trabalhadora se desenvolveu no século XIX com as forças produtivas capitalistas, emergiram inúmeros debates entre vários teóricos sobre a estratégia para a sua emancipação. Um desses debates foi precisamente o do terrorismo entre os anarquistas insurrecionistas e os marxistas. Os primeiros defendiam-no, os segundos rejeitavam-no. É uma velha questão, mas que continua a estar presente na ação da Esquerda em pleno século XXI, como o atentado terrorista contra a Federação da Indústria Grega, na passada madrugada de terça-feira, perto da Praça Syntagma, Atenas, demonstra. Mas para além deste debate estratégico entre este pólo do espectro político, surgiu o desafio jihadista.
Não existe uma definição consensual sobre o conceito de terrorismo e essa é uma das dificuldades quando se discute questões relativas a este fenómeno. São tantos os atos que podem ser catalogados como terroristas que o conceito deixa de ter uma abordagem científica para passar a ter, sobretudo, uma importância e instrumentalização políticas. Ou seja, os vários atores políticos caracterizam os atos dos seus adversários com o rótulo de terrorista com o objetivo de obter dividendos políticos e, assim, poderem agir contra os perpetradores desses mesmos atos de forma legitimada. No entanto, uma das definições mais abrangentes é a seguinte: “ação contra civis “não combatentes” que visa intimidar e provocar o pânico num país ou comunidade, através de mortes, de feridos e da destruição.”. Cada Estado possui a sua própria definição de terrorismo no respetivo sistema jurídico, daí, e dependendo das suas condições específicas, poder ser mais limitado ou abrangente, dificultando uma definição consensual no plano internacional.
A classificação de um fenómeno terrorista é definida sobretudo pelos interesses das classes dominantes que, depois de ocorrer, utilizam o respetivo aparelho ideológico para o legitimar ou demonizar. Um exemplo dicotómico é a comparação dos atentados de Paris, no passado 13 de novembro, com o programa de assassinatos por drones do Presidente Obama. Se o primeiro caso é consensualmente definido como um atentado terrorista e deve ser repudiado por qualquer humanista, já o segundo não é entendido dessa forma, sendo legitimado como uma guerra contra o terrorismo, quando em vez de o combater apenas o fortalece causando inúmeras vítimas inocentes e obtendo pouca eficácia na luta contra este fenómeno internacional. O Humanismo de muitos parece circunscrever-se aos europeus. Na luta contra a guerra dos drones encontra-se uma minoria.
Mas como deve um partido que defende os interesses e pretende organizar a classe trabalhadora para alcançar o poder, independentemente de ser através dos mecanismos da democracia-liberal ou pela via revolucionária, reagir?
Antes de mais, o partido deve repudiar e rejeitar a via aventureirista de terrorismo individualista ou de grupúsculo sectário de esquerda, valorizando a vida humana. A argumentação não se deve basear numa perspetiva moralista, mas numa explicação do porquê o terrorismo não servir os interesses e a luta da classe trabalhadora para a sua emancipação. Deve assumir uma posição pedagógica e não moralista. Vivemos numa sociedade capitalista e a moral que predomina é precisamente a burguesa, obstruindo ideologicamente a ação da classe trabalhadora.
O pilar da luta da classe trabalhadora deve consistir na sua organização e não na utilização de táticas blanquistas ou de terrorismo individualista/grupúsculo. Todos os exemplos históricos demonstram que quando a classe trabalhadora se organiza e rejeita o blanquismo ou atos violentos individuais/grupúsculos tem mais hipóteses de triunfar contra a classe dominante e o sistema de produção capitalista. Quanto ao terrorismo jihadista a classe trabalhadora deve rejeitar a sua colagem à religião muçulmana ou a qualquer etnia, pois se os jihadistas já causaram a morte a centenas de europeus com os seus atentados, também não nos podemos esquecer que encetaram primeiro a morte de milhares de muçulmanos, principalmente na Síria e no Iraque. A classe trabalhadora deve combater o racismo e a xenofobia que alimenta as fileiras da extrema-direita, precisamente num momento em que esta está em ascensão no continente europeu. A luta contra o fascismo é também a luta contra o capitalismo.
Mas que consequências têm estes atos para a luta da classe trabalhadora atualmente? À primeira vista encontramos quatro, mas facilmente poderão ser mais.
Primeiro, legitimam a existência do aparelho repressivo do Estado que, porventura, é controlado pela classe dominante, e a sua intensificação com o aumento do orçamento do Estado. Para isso utilizam o aparelho ideológico para humanizar as forças da repressão, a polícia e as forças armadas. Um desses exemplos foi precisamente o uso propagandístico da morte da cadela Diesel em Saint-Denis, e que percorreu os meios de comunicação social europeus.
Segundo, a instauração de Estados de emergência e a consequente limitação das liberdades que assistem aos cidadãos do Estado e que são utilizadas pela classe trabalhadora na sua luta, como o direito à manifestação e à reunião. Não poucas vezes a classe dominante aproveita o momento pós-atentado para aprovar legislação mais restritiva das liberdades e garantias dos cidadãos, sabendo que a população se encontra num estado de choque com o sucedido. Aconteceu em França após os atentados contra o Charlie Hebdo, mas também está a acontecer agora. É uma estratégia que extravasa as fronteiras francesas. A reação fortalece-se com cada atentado terrorista, atacando os direitos que permitem à classe trabalhadora erguer a sua voz, precisamente num momento em que as políticas de austeridade permanente começam a ser alvo de enorme contestação por todo o continente europeu. A propagação e utilização do medo são um dos pilares desta estratégia e há que lhe resistir.
Terceiro, a demonização de etnias ou religiões, dividindo a classe trabalhadora com base nestes critérios. O trabalhador europeu tem uma relação mais forte com um trabalhador sírio do que com o seu patrão nacional. É uma questão de classe, não de nacionalismo. A guerra de religiões, ou o choque de civilizações como gostam de lhe chamar alguns teóricos de Relações Internacionais, representa um enorme lucro para a indústria do armamento. Como se combate uma religião? Não existe um sujeito específico, mas inúmeros sujeitos difusos. A guerra terá de ser permanente, com destruição constante e com lucros avultados. O nosso sofrimento são os lucros deles.
Quarto, a legitimação do intensificar da musculação da política externa do Estado alvo do atentado terrorista, caso tenha vindo do exterior, abre portas a mais bombardeamentos e intervenções militares externas. Ou seja, um fortalecimento da indústria capitalista do armamento e da disseminação da morte e do terror com a legitimação de uma guerra contra esse mesmo terrorismo, que tem na sua origem o imperialismo ocidental. Delimitação de fronteiras artificiais, apoio a ditadores, invasões para impor a democracia-liberal à força, apropriação de recursos naturais, fomento de guerras civis etnico-religiosas, imposição do modelo ocidental com o processo de globalização neoliberal, etc... Para satisfazer os seus interesses a classe dominante está disponível para fazer tudo o que for necessário e a Carta dos Direitos Humanos não passa de meras folhas de papel compactas. Um círculo sem fim em que uns morrem e outros enriquecem. A luta contra o imperialismo é necessariamente a luta contra o modo de produção capitalista.
A resposta da classe trabalhadora deve ser una e inequívoca: rejeitamos o terrorismo, rejeitamos a limitação às nossas liberdades e rejeitamos o imperialismo. Apenas a unidade e a organização podem fazer face aos desafios com que nos confrontamos com estes novos atentados terroristas, sejam esquerdistas ou jihadistas. Não num plano nacional, mas num internacional. Sair às ruas não é apenas enfrentar o medo que os terroristas nos tentam impor, é também o realçar de que não abandonamos a luta pela nossa emancipação e direitos. Paz entre povos, guerra entre classes!