No passado dia 17 de Maio foi tornado público o documento que será discutido na Cimeira da Nato que decorre em Lisboa em Novembro. O relatório intitulado de Novo Conceito Estratégico para a Nato (NCE), foi coordenado pela ex-secretária de estado (1997-2001) de Bill Clinton, Madeleine Albright, que em 1999 justificou os bombardeamentos da NATO nos Balcãs como uma “intervenção humanitária”.
O NCE surge perante a urgente necessidade de justificar as alterações estratégicas da NATO que têm vindo a ocorrer após o fim da Guerra Fria e em particular desde a coroação dos E.U.A. como potência imperial hegemónica. O objectivo é ter um documento que apoie legalmente as actuais operações da NATO e que permita, justificando-as, novas intervenções militares em qualquer ponto do planeta. É a fundamentação ideológica para o controlo imperial. Os próprios relatores referem a “importância de convencer as populações da importância da NATO na estabilidade e paz global, caso contrário o apoio destas populações falha, assim como o suporte financeiro público”. Este programa-agenda assume três eixos fundamentais para a reformulação dos princípios fundadores da organização:
1)Intervir globalmente – o NCE pretende que os membros da NATO reconheçam as limitações do Tratado assinado em 1949, nomeadamente do Artigo 5, que refere que “um ataque armado contra um ou mais dos membros na Europa ou América do Norte deve ser considerado um ataque contra todos”, na medida em que os “perigos e ameaças” são agora mais abrangentes e que surgem dentro da zona do eixo Atlântico mas sobretudo fora dessa zona. A NATO tem de se preparar para intervir em qualquer ponto do globo. A intervenção no Afeganistão ou o patrulhamento de controlo anti-pirataria no Índico são a prática que exige esta fundamentação.
2)Novas “ameaças” – a implosão da Cortina de Ferro e o desmembramento do bloco soviético impunham o fim da Aliança Atlântica, por isso o NCE redefine os novos “perigos” que ameaçam o globo: terrorismo, criminalidade organizada internacionalmente, ambiente e alterações climáticas, armas de destruição em massa, segurança alimentar e garantia de rotas comerciais, ciber-ataques, segurança energética, etc.. Todos estes temas encaixam na nova estratégia militar e voltam a assentar que nem uma luva na operação do Afeganistão já apresentada como luta contra o terrorismo.
3)Multi-parcerias - potenciar a criação de parcerias com outras organizações, como a União Europeia, Nações Unidas ou a OSCE, ou países tradicionalmente fora da Aliança Atlântica como a Rússia, Ucrânia ou a Geórgia. No caso da U.E. chega a referir a necessidade de “reconhecer que o Tratado de Lisboa foi concebido, entre outros propósitos, para reforçar as capacidades militares e de comando da Europa” e que a NATO deve usar esta parceria abrangente de forma rentável (cost-effective). Dito de outra forma, a União Europeia investirá no sector militar e esses recursos devem ser partilhados com a NATO. Cria também uma nova figura, os “parceiros operacionais”, que são os países que não sendo da Nato, participam nas suas operações, o que na prática já existe, veja-se a Austrália (um dos maiores contingentes de tropas no Afeganistão), Nova Zelândia, Coreia do Sul ou até a própria China em acções de patrulhamento anti-pirataria. O documento defende também que os processos de decisão, tradicionalmente por consenso entre todos os 28 membros, devem ser agilizados e que devem ser atribuídos novos poderes ao secretário-geral ou aos chefes militares dos países membros.
O relatório termina com várias proclamações de esperança nesta refundação da NATO, chegando a referir que “se a NATO não existisse hoje, o Afeganistão poderia estar novamente dominado pelos talibãs e por terroristas com capacidade de treino para ataques sistemáticos e destemidos”. Na mesma semana em que Madeleine Albright assinou este documento um carro armadilhado lançado contra uma patrulha da NATO em Cabul provoca 20 mortos e 50 feridos.