É claro que as redes sociais colonizam a nossa existência. Modelam-nos cognitivamente, dispersam a nossa atenção, transformam o modo de percecionamos o real (pior: criam o real!), induzem automatismos preguiçosos e são dinamizadas por pessoas-máquinas que destroem a destrinça entre informação, entretenimento e mercado, quer dizer, a possibilidade de distância crítica. Aliás, é o capitalismo que se expande nas nossas mentes, vencendo os poucos redutos que ainda lhe ofereciam resistência: o sono, o desejo e a imaginação. Sonhamos dentro dos moldes da crença na autodeterminação, como se não fossemos influenciados (diria mesmo: produzidos) por um entorno social. Afinal, podemos “ser quem quisermos”, frágil plasticina multiforme: perdemos a temporalidade e o atrito dos fenómenos (exercício crucial para percebermos a sua génese) para nos dissolvermos no presente perpétuo.
Mas, não nos iludamos: as redes e suas linguagens colonizaram as subjetividades por razões bem objetivas. Desde logo, a incerteza. Abaladas as certezas, desconfiados das hierarquias e dos dogmas, desiludidos face às instituições (Estado, Governos, Igreja, Família), iludidos pela voragem empreendedora, perdemos a oportunidade de desafiar a ordem de antanho por uma nova ética de generosidade e solidariedade. O capitalismo não tolera espaços vazios e a todo o momento recria as condições da sua reprodução, insinuando novas mediações que se confundem com o respirar e se apresentam como a “vida”, em todos os meandros da expressão e da comunicação.
E aí entra a febre da competição, essa espécie de guerra civil permanente de todos contra todos, em que comparamos o que temos e não temos, o que julgamos ser e aparentar, o corpo e a máscara, num jogo de espelhos onde só sobram os ossos espectrais. Existimos porque comunicamos e comunicamos pela linguagem da autoexpressividade, anulando o caminho que vai de mim ao outro, com o fermento, tão necessário, dos silêncios comunicantes. Não toleramos limites ao que julgamos ser um direito inalienável à autenticidade.
Nos bastidores, contudo, reina o medo: de nos encontrarmos sós, de perdermos as guerras imaginárias, de vivermos num mundo hostil, perigoso, em devir catastrófico. Sem a noção do passado, pois cada momento se esquece no fogo fátuo da novidade-que-já-não-é, na míngua de futuro, resta o presente histriónico que se oferece em termos simples: eu ou ele; por ou contra; tudo ou nada. Réquiem ao pensamento complexo.
Uma profunda insegurança nos atemoriza. Nada garante o trabalho, o pão, a saúde, a paz, a habitação. Esboroa-se o calor da hospitalidade e do acolhimento. Só podemos confiar no nosso estado de performance total.
Venha, pois, o TIKTOK, que nele me instale e viva e morra.
Artigo publicado em Gerador a 15 de fevereiro de 2024
