Na terra dos sonhos

porAndré Beja

12 de abril 2008 - 0:00
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Um dos marcos da modernidade tardia no nosso país foi o aparecimento da tv-shop, que por sua vez, deu a conhecer a todo o país uma almofada de ergonomia revolucionária, garantia de noites com sono e sonhos de qualidade. Lembram-se?

Vem esta história a propósito do hospital Amadora Sintra e das Parcerias Público Privadas para a saúde, assunto que muita tinta tem feito correr.

O anúncio do ingresso da gestão do hospital Amadora Sintra na esfera pública causou muita agitação. Visto como um claro sinal de rotação à esquerda por uns, considerado uma cedência ao preconceito por outros, este imprevisto só deixou sem reacção os responsáveis do PS de Sintra e da Amadora, que em 2007 votaram a compra de 6% da sociedade gestora daquele hospital por cada um dos municípios.

Este primeiro acto de governação de face humana de Sócrates levou mesmo a que Salvador Mello, ainda a saborear a vitória do concurso para a construção e gestão do novo hospital de Braga, tenha vindo à praça pública anunciar que "esta decisão vai sair cara ao Estado" e que ela não é mais do que "uma cedência ao facilitismo e à falta de rigor".

Mas o erro só ganhou dimensão quando, no início de Abril, os responsáveis pelas propostas vencedoras das quatro PPP (Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures), anunciaram que esta opção permitirá ao Estado poupar 777 milhões de euros ao longo de 30 anos (Diário Económico, 03-04-208).

E de pouco vale o Tribunal de Contas ter alertado para o facto de não terem sido considerados, para o novo hospital de Cascais, todos os encargos públicos com o projecto nem avaliados os riscos daí decorrentes.

Desta vez não foi preciso esperar muito tempo para que o cenário maravilha do pintado pelos investidores começasse a ruir.

Uma semana depois, e começa, a surgir indícios de que os custos que o Estado terá nas PPP da saúde poderão ser bem mais altos do que o previsto, tendo o governo orçamentado uma almofada de 982 milhões de euros para incorporar o efeito esperado da inflação, que, ao que parece, não estaria contabilizado nas propostas iniciais (Jornal de Negócios, 11/03/2008). Ou seja, aquilo que no início de Abril era vantagem quantificável começa a ganhar contornos de um buraco bem fundo.

Tal como na televisão, também os sonhos do luso capitalismo parecem depender da ergonomia, cabendo sempre ao Estado a árdua tarefa de moldar a almofada.

André Beja
Sobre o/a autor(a)

André Beja

Enfermeiro, investigador de políticas de saúde. Deputado Municipal em Sintra, eleito pelo Bloco de Esquerda.
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