Sem uma mudança de atitude e participação ativa por parte dos homens, dificilmente conseguiremos que os números baixem e que a violência contra as mulheres seja erradicada. As mulheres precisam que os homens reflitam, alterem comportamentos, que sejam aliados, que façam melhor.
25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, dia em que se alerta e luta contra a violência física, psicológica, sexual e social que atinge as mulheres. Abro o instagram e vejo um desafio lançado pela Tânia Graça – jogar ao “Eu nunca?” e baixar um dedo sempre que uma destas coisas nos tiver acontecido: medo ao voltar para casa sozinha; homens a mostrar os genitais ou a masturbarem-se em locais públicos à nossa frente; buzinadelas e piropos nojentos na rua; humilhação, controle ou ameaças de um namorado; julgamentos da vida sexual e amorosa; assédio no local de trabalho; homens a roçarem-se em nós nos transportes públicos; medo de andar de táxi ou uber sozinhas; apalpadas numa discoteca; e, por fim, o mais horrível de todos – violadas.
Acabei com um dedo no ar. Conto seis destas situações que vivi quando era menor, algumas com apenas 12 anos. Abro os comentários ao post e a quantidade de mulheres que acabaram o desafio com zero dedos é assoberbante. Mulheres que um dia sofreram cada um destes abusos, algumas repetidamente, incluindo o da violação. A muitas sobrou-lhes um dedo e consideram-se “sortudas” por nunca terem sido violadas. Repito, “sortudas”. Muitas também sofreram estes abusos quando eram menores. Muitas temem que um dia não lhes sobre dedo nenhum. Temem sobretudo pelo futuro das filhas.
Pois neste mesmo dia, Luís Montenegro, o nosso Primeiro-Ministro, achou que era oportuno dizer que os números da violência contra mulheres não tinham aumentado. Ele, que dias depois destas declarações dramatizou a criminalidade em Portugal, admitindo não se basear em estatísticas, mas em “perceções”, e usando isso como justificação para reforçar a frota automóvel da GNR e PSP, achou mesmo oportuno desvalorizar os números no dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres. E dizer que os crimes não aumentaram, mas sim as denúncias, quando as estatísticas indicam o seguinte:
- Foram registados 75.380 crimes de violência doméstica pela PSP em quatro anos, de 2019 e 2023, tendo havido 7.706 queixas no primeiro semestre de 2024, o que resulta num aumento de 1,8% em relação a 2023.
- Segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas da associação UMAR, foram contabilizados 25 homicídios de mulheres entre 1 de janeiro e 15 de novembro de 2024. Em seis dos casos havia queixa da vítima às autoridades, tendo uma delas feito sete queixas do agressor antes de ser assassinada.
- As mulheres configuram 65% das vítimas de crimes de violação em 2022, 2023 e nos primeiros três trimestres de 2024. Segundo a Polícia Judiciária, em Portugal foram violadas 421 mulheres em 2022, 359 mulheres em 2023 e 344 mulheres entre janeiro e setembro de 2024 (menos do que no ano anterior, mas os números correspondem apenas a 3 trimestres).
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Entre 2022 e 2023, a APAV apoiou um total de 23.808 vítimas do sexo feminino, o que representou um aumento de 8,7% entre 2022 e 2023, enquanto os crimes e outras formas de violência aumentaram 6,7% no mesmo período.
- 68,5% dos autores de crimes e outras formas de violência são homens. De 2022 a 2023 este número aumentou de 7.656 para 8.700.
Homens, a eliminação da violência contra as mulheres só é possível com a vossa contribuição positiva. Como?
Comecemos pelo exemplo. Do que a luta para a eliminação da violência contra as mulheres menos precisa é de um Primeiro-Ministro a menosprezar os números. Mas não só. As mulheres – as da vossa vida, as mães, as filhas, as conhecidas, as desconhecidas, todas – precisam que os homens façam melhor e que sejam aliados. Que reflitam, mudem de atitude, participem ativamente. Sem esta alteração de comportamento por parte dos homens, dificilmente conseguiremos que os números baixem e que a violência contra as mulheres seja erradicada.
Com base num post da página Men Talks e da página My Voice, My Choice, elaborei a seguinte lista com conselhos para uma contribuição masculina positiva:
- Ouvir as mulheres, acolher as suas lutas e reivindicações, amplificar a sua voz;
- Envolver-se ativamente, investigar e ler sobre o assunto, de modo a saber agir de forma correta;
- Refletir sobre as causas e impactos da violência contra as mulheres, debater o tema com outros homens e responsabilizar-se a si e aos outros;
- Rejeitar a masculinidade tóxica;
- Compreender o conceito de consentimento;
- Interromper piadas e comentários depreciativos;
- Responsabilizar as instituições;
- Rejeitar narrativas de vitimização dos agressores;
- Normalizar conversas sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG);
- Combater o estigma relativo a escolhas reprodutivas;
- Apoiar os direitos à IVG e à liberdade de escolha;
- Assinar petições que garantam os direitos das mulheres;
- Ser contra a cultura da violação.
E o que é isto da Cultura de Violação? Esta pirâmide do 11th Principle Consent! revela os comportamentos em sociedade que propiciam outro tipo de comportamentos mais agressivos, culminando no abuso sexual. A eliminação da violência contra as mulheres não é possível sem começar pela base. A cada degrau, os comportamentos agravam-se e é preciso erradicá-los:
- Conversas e atitudes sexistas, piadas sobre abuso sexual e conversas depreciativas;
- Assédio verbal/piropos, toques ou encostos não consentidos, perseguição (stalking)
- Exibicionismo e exposição genital, envio de fotos íntimas não solicitadas (nudes)
- Apalpar, fotografias ou vídeos sem consentimento (como acontece, por exemplo, num grupo de whatstapp português onde se encontram 70.000 homens);
- Pornografia de vingança, desrespeito de palavras de segurança;
- Coação/manipulação, ameaças;
- Culpabilização e rebaixamento da vítima;
- Sabotagem contracetiva;
- Remoção do preservativo sem consentimento (stealthing);
- Assédio sexual;
- Incapacitação com drogas/álcool;
- Violação.
É aqui que os homens podem fazer a diferença – ao terem consciência disto, ao deixarem de ter este comportamento e alertarem e consciencializarem os outros a fazer o mesmo. Nas redes sociais, no trabalho, com os amigos e em casa.
Um último conselho: não interrompam quando uma mulher fala sobre este assunto com a máxima “nem todos os homens”. Pois nem todos os homens, mas os suficientes para todas termos uma história. Se querem efetivamente contribuir, arregacem as mangas e façam melhor. Sejam melhores. Vocês são imprescindíveis nesta luta.