Para os comentadores políticos, o debate entre António Costa e António José Seguro foi um petisco devorado à saciedade. Mas, à míngua de vontade de analisar para além do espetáculo, o que fica, quase sempre, é a psicologização da contenda. Aí Costa ganha sempre, pois responde à mediatização política com eficácia, ainda que alguns se tenham surpreendido pela impreparação que revelou.
Ora, essa impreparação é o programa possível, uma vez que não passa pelo seu projeto qualquer tipo de rotura. Uns queixumes vagos contra o “empobrecimento” e uma ténue promessa de não “cortar rendimentos” e “pagar as pensões”, deixando a questão da dívida “para mais tarde”, juntamente com uma possível renegociação à “escala europeia” do tratado orçamental acompanhada de elogios “às empresas” e ao “empreendedorismo” juvenil.
A ambiguidade é total. Repare-se na promessa de “não cortar rendimentos”. O que significa isso? Não cortar mais salários? Mas, e as machadadas que já foram dadas, vão ser repostas ou vivemos agora num maravilhoso momento zero de puro início? E pagar as pensões, o que quer dizer? Qual a base?
A renúncia às explicações e aos pressupostos permite passar a ideia politicamente correta de “não fazer promessas”, distinguindo-se da vulgata política, sem assustar credores, Merkel e Rui Rio.
Não admira, por isso, que Seguro, em dificuldades mediáticas, tenha surgido, retoricamente, em diversos momentos, como mais acutilante e aparentemente “mais à esquerda”.
É que Costa desistiu do que o poeta Manuel Gusmão fala quando refere o “desejo do futuro”. Sem esse desejo, não há esquerda.