Está aqui

Médicos sem especialidade e a “exceção” de ser especialista – o último prego no caixão do SNS

Este Ministério e este Ministro desistiram da formação médica de qualidade e da garantia de um bom atendimento de saúde às populações, decidindo apostar na precarização dos médicos.

Caro/a leitor/a, se nos últimos anos recorreu a uma urgência hospitalar ou centro de saúde, com toda a certeza foi atendido por um médico especialista ou um médico interno, ou seja, em formação para obter o grau de especialista. Até agora, esta tem sido a norma.

No entanto, isto poderá vir a mudar: este mês entrou em vigor o Decreto-Lei Nº 13/2018, no qual se atribui caráter de “exceção” à entrada na especialidade. Como foi isto possível?

O diploma modifica as condições em que cessam os contratos entre o Estado e os médicos recém-formados que iniciam funções no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Até agora, o contrato terminava no final da especialidade. Agora, o Ministério pretende que o contrato termine muito antes: quando termina o 1º ano de “formação geral”, também chamado “ano comum”, que antecede a formação especializada. Por outras palavras, e como refere a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), este diploma “desagrega em definitivo o Internato Médico”, cortando 4 a 6 anos da formação que estava anteriormente assegurada a todos os médicos internos e encarando como “exceção” a continuidade dos seus contratos com o SNS.

Também o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) já se declarou contra esta alteração. Em comunicado, realça o ponto em que o diploma estabelece a “divisão entre Formação Geral e Específica, confirmando-se a intenção da criação de Médicos Indiferenciados pelo Governo”.

Esta reformulação da lei pode parecer apenas teórica para alguns. Na realidade, já desde 2015 que centenas de médicos têm ficado de fora da formação especializada: este ano calcula-se que fiquem de fora cerca de 800 médicos. Além disso, segundo cálculos da Associação de Médicos pela Formação Especializada (AMPFE), prevê-se que o número de médicos sem especialidade possa chegar a 4.000 dentro de 3 anos.

No entanto, esta revisão revela bem as verdadeiras intenções do atual Ministério da Saúde que, até agora, permaneciam algo obscuras. Fica agora claro como a água que este Ministério não está minimamente empenhado em inverter o rumo que o Governo anterior (PSD-CDS) trilhou.

Continua a ignorar a necessidade de um planeamento da formação e a negar a urgência de um investimento estrutural no sector da Saúde e na contratação de mais profissionais. Continua a empurrar os médicos para fora do SNS, para a emigração e para o setor privado, colocando em risco a saúde de todos.

O atual Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, faz assim o que o seu antecessor, Paulo Macedo, sempre quis fazer, mas nunca tinha conseguido: criar as condições perfeitas para instalar a total precariedade no setor da Saúde, deixando estes profissionais e a população à mercê dos interesses das empresas de recrutamento e dos grandes grupos económicos com negócio instalado no sector da Saúde.

Há cerca de um ano, deixámos o desafio: “O Parlamento e o Governo têm que se pronunciar e decidir sobre o futuro que querem para a Saúde em Portugal: será o SNS uma mera despesa, ou será, por outro lado, um investimento na qualidade de vida das pessoas?”

Neste mês, tivemos a resposta: este Ministério e este Ministro desistiram da formação médica de qualidade e da garantia de um bom atendimento de saúde às populações, decidindo apostar na precarização dos médicos.

Sejamos claros: caso o Ministro Adalberto Campos Fernandes insista em levar o país por este caminho, ficará na história como o médico que matou o SNS.

Artigo publicado no jornal “Expresso” de 24 de março de 2018

Sobre o/a autor(a)

Médico interno de Saúde Pública
(...)