O populismo autoritário pós-moderno é o novíssimo rosto do neoliberalismo em França graças ao Presidente da República recém-eleito, Emmanuel Macron, que decidiu apostar numa espécie de recuperação requentada das políticas da «Terceira Via» de Tony Blair, no Reino Unido, e do «Novo Centro» de Gerhard Schroeder, na Alemanha.
Não por acaso, Macron é um dos grandes responsáveis pelo enorme «buraco» financeiro e pelas políticas económicas desastrosas do ex-presidente François Hollande e do seu ex-chefe do Governo Manuel Valls, do qual o jovem Macron foi ministro da Economia (entre 2014 e 2016) depois de ter sido secretário-geral adjunto do Eliseu nomeado por Hollande (entre 2012 e 2014). Mas tudo isso já foi esquecido e Macron absolvido.
Convirá ainda recordar que o novo PR francês foi eleito por exclusão de partes graças ao deserto que se fez à sua volta. Desde logo, o descalabro do PSF (para o qual contribuiu o próprio Macron, juntamente com Valls e Hollande). Por outro lado, o desastroso candidato da direita tradicional, François Fillon, que insistiu em ir até ao fim apesar das suspeitas de corrupção que recaíam sobre ele. Finalmente, mas não menos importante, a rejeição dos extremos, sobretudo da candidata da extrema-direita, Marine Le Pen.
Os objectivos programáticos de Macron nunca foram claramente expostos, mas sabia-se ao que vinha: beneficiar gestores e empresários e vergar a espinha aos trabalhadores através de uma revisão profunda do código do Trabalho - «a mãe de todas as reformas», como lhe chama Bruno Le Maire, o ministro das Finanças de Macron e do seu primeiro-ministro, Edouard Phillipe. Trata-se, desde logo, de privilegiar acordos de empresa entre patrões e trabalhadores, em prejuízo dos contratos colectivos sectoriais.
Além disso, Macron tenciona gerir a França, isto é, a sua administração pública, como uma empresa, para obter melhores resultados e, sobretudo, maior rentabilidade. O que me faz recordar o que escrevi em 2012, no meu livro sobre «A Crise da Esquerda Europeia», ao criticar o discurso da «modernização» típico da «Terceira Via» e do «Novo Centro».
Para Blair e Schroeder, como agora para Macron, o novo modelo do Estado passou a ser a «empresa», tal como a «gestão empresarial» passou a ser o novo modelo de direcção dos organismos estatais. O sector público passou a ser considerado, por definição, «ineficaz» e «ultrapassado», nomeadamente por visar objectivos sociais que vão muito além da estrita eficácia económica e da sua rentabilidade. Para os neoliberais, mesmo o «Estado exíguo» só pode salvar-se se cumprir religiosamente as regras que o mercado impõe.
Mais: o «homem de negócios» e o «empreendedor» foram elevados à categoria de heróis e exemplos a seguir, e o «empreendedorismo» passou a ser termo recorrente no discurso dos políticos e tecnocratas que alternam no poder. A então chamada «esquerda moderna» foi-se aproximando, assim, da «nova direita», claudicando perante a hegemonia das ideias neoliberais. Vinte anos depois, Macron é a reencarnação de Blair e Schroeder.
Tendo a sua «Republique en Marche» alcançado, nas eleições legislativas, «uma maioria absoluta e absolutamente devota» (a frase é de Erik Emptaz no «Le Canard Enchainée»), e tendo empurrado para fora do Governo os aliados mais recalcitrantes (François Bayrou e amigos), Emmanuel Macron parece ter o controlo de todos os comandos da República. E, no entanto, apesar de uma maioria absoluta tão dócil na Assembleia Nacional, Macron e o seu Governo decidiram pedir ao Parlamento que habilite o Executivo a legislar, através de portarias de aplicação imediata, todas as mudanças no código do Trabalho. Era só o que faltava permitir debates e eventuais propostas de emendas pelos deputados.
É impressionante a resiliência (como eu odeio este termo!) do neoliberalismo, sobretudo onde os partidos socialistas e social-democratas claudicaram (como na Alemanha e em França). O populismo autoritário pós-moderno de Emmanuel Macron não augura nada de bom para os trabalhadores franceses, sejam eles oriundos das classes populares ou das classes médias. O neoliberalismo significa, sempre, o domínio do Capital sobre o Trabalho, dos accionistas sobre os trabalhadores, do patronato sobre os sindicatos, da plutocracia e da tecnocracia sobre a representação política e, é claro, sobre a democracia!
Lisboa, 23 de Julho de 2017