Em novembro do ano passado, a organização das Nações Unidas para as Mulheres relatava que – pelas suas contas – no ano anterior, 51 000 mulheres ou meninas tinham sido assassinadas pelos seus companheiros ou familiares próximos. Segundo esta organização, em cada dez minutos que passam, há globalmente uma mulher ou menina vítima de crime de feminicídio.
O mundo não é um lugar seguro para as mulheres, particularmente quando ao capitalismo lhe convém esta guerra constante, que vitimiza as mulheres e que faz de nós todos pessoas inseguras e com dificuldade em fazer face aos desafios da exploração e discriminação no trabalho, em casa, na rua, nos lugares públicos e privados.
Em Portugal, durante o mês de janeiro deste ano, foram assassinadas 5 mulheres, de diferentes grupos etários, vítimas de violência de género. No caso de uma destas mulheres tinha havido uma queixa na polícia por violência doméstica, no caso de uma outra, tinha havido uma separação em resultado de violência doméstica e uma reconciliação, mas a mulher não tinha apresentado queixa na polícia.
As questões que daqui resultam são evidentes: porque é que familiares e vizinhos que se apercebem de agressões, não apresentam queixa? porque é que as próprias vítimas não apresentam queixa? porque é que as queixas não resultam em nenhuma ação de proteção das vítimas?
É sempre arriscado simplificar um problema complexo. Sem pretender fazê-lo, diria que a ausência de vontade política para que um crime público – como o da violência doméstica – seja tratado como tal, é um fator fundamental. A falta de tratar este problema como o crime que é, gera um efeito de bola de neve: complacência social e a culpabilização das vítimas.
É absolutamente urgente responsabilizar os governos pela forma anémica como estas questões são tratadas, seja no caso da violência contra mulheres, como no caso da violência contra idosos ou crianças. Nestes dois últimos casos, contudo, existe uma condenação latente contra os criminosos. Temos visto vizinhos que se juntam para manifestar a sua revolta contra os criminosos. Já, no caso do assassinato de mulheres existe um silêncio social absolutamente ensurdecedor.
Rebecca Cheptegei, a atleta olímpica ugandesa, que tinha participado nas olimpíadas de Paris no ano passado, foi assassinada pelo namorado. Esperamos, até hoje, as manifestações de repúdio de atletas e amantes do desporto por mais este crime odioso.
O silêncio faz parte da cadeia de negligência, da qual os governos são cúmplices maiores.
É preciso dotar as forças policiais e os serviços de segurança social de equipas dedicadas a erradicar o risco; é preciso que haja, nas esquadras de polícia agentes cuja missão é acolher e encaminhar as queixas das mulheres. Não pode continuar a acontecer que a mulher que se dirige a uma esquadra de polícia para apresentar uma queixa, seja recebida com indiferença, sobranceria, e até mesmo hostilidade. Aos olhos de muitos, a culpa é das mulheres.
Inverter esta lógica passa por formar e responsabilizar os profissionais responsáveis pela segurança das pessoas. Definir metas de sucesso na diminuição dos casos de violência contra as mulheres. Faz falta que os Conselhos Municipais de segurança criem grupos de trabalho dedicados a lidar com este problema. É preciso que os agressores deixem de contar com a complacência das instituições, dos governos – nacionais e locais – e das empresas.
Há uma cultura de complacência para com os criminosos de violência contra mulheres. Provavelmente o caso mais gritante que evidencia esta complacência foi o caso da campanha de marketing da “Nike”, de há uns anos, que usava a imagem de Oscar Pistorius, comparando a sua velocidade de atleta com a de uma bala. A empresa manteve esta campanha ativa, mesmo ao longo da duração do processo de julgamento de Pistorius pelo assassinato, a tiro, da namorada. A campanha só foi suspensa quando o tribunal o condenou em definitivo pelo crime.
Esta complacência perante os criminosos tem, na sua essência, a mesma natureza machista que a complacência diante do incumprimento do direito ao aborto ou incumprimento pela igualdade de direitos no trabalho. Lembremos que a diferença salarial entre homens e mulheres, com atributos semelhantes, de acordo com os dados divulgados pelo “Observatório Género Trabalho e Poder” era, há dois anos, de 18,4% a favor dos homens.
Não pode haver nenhuma ambiguidade na defesa dos direitos das mulheres, em nenhuma instância da vida privada ou social, seja no direito à proteção diante da violência, seja no direito à justiça, seja no direito à proteção no trabalho. Qualquer hesitação ou falta de clareza das regras, não fazem mais do que perpetuar a cultura machista contra as mulheres.
