Loures e a incubadora da extrema-direita

porRita Sarrico

06 de novembro 2024 - 15:13
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O PS quer lançar uma autêntica crise humanitária no concelho de Loures. Isto não é apenas um problema local. A história de 2017 já nos deveria ter ensinado isso.

Foi em Loures que, em 2017, André Ventura, então candidato à Câmara Municipal de Loures pelo PSD, lançou a primeira pedra do seu projeto de extrema-direita.

Na altura, a candidatura do Bloco de Esquerda, encabeçada pelo agora líder parlamentar, Fabian Figueiredo, foi a mais forte oposição ao discurso de ódio e de perseguição que André Ventura propagava. A pressão pública resultou na retirada do apoio a Ventura por parte do CDS e numa (tardia) garantia da CDU recusando, em caso de vitória da CDU, a continuidade do acordo que Bernardino Soares então mantinha com o PSD.

Chegamos a 2024. André Ventura está na Assembleia da República e o PS governa Loures há quatro anos em acordo com o PSD. Diriam os desatentos que a extrema-direita saiu derrotada em Loures. Infelizmente, estariam errados.

Ricardo Leão, atual presidente da Câmara Municipal, eleito pelo Partido Socialista, cuja Federação da Área Urbana de Lisboa liderou até se ter demitido hoje, não perdeu tempo. Desde o início do seu mandato, decidiu continuar a fazer de Loures o tubo de ensaio para a propagação de discurso e políticas de extrema-direita, assentes numa perseguição aos mais pobres, sem preocupação pela salvaguarda dos direitos mais basilares e da dignidade das pessoas.

Na origem de toda a polémica esteve uma recomendação apresentada pelo Chega na Câmara Municipal para a retirada da habitação municipal a quem estivesse envolvido nos distúrbios ocorridos após a morte de Odair Moniz às mãos da PSP. Ora, já foi explicada por constitucionalistas a ilegalidade desta norma. Já se sabe também que o Chega testou a proposta em Loures antes de a lançar como proposta de alteração ao Orçamento do Estado. No entanto, apesar de inconstitucional e atentatória de direitos, esta norma foi não só aprovada pelo Partido Socialista, como aclamada por Ricardo Leão, sob o seu slogan pessoal: “Sem dó nem piedade”.

Dirá Pedro Nuno Santos que este foi apenas um “momento mau” do atual Presidente da Câmara Municipal de Loures, que “não o define”, nem a ele, nem ao seu excelente trabalho em Loures. Por outro lado, várias vozes do PS manifestaram o seu repúdio quanto à postura de Ricardo Leão, cabendo a António Costa uma “defesa da honra” do Partido Socialista contra “o calculismo taticista” de quem desgradua a gravidade da atuação do autarca de Loures.

Dizer que foi apenas um “momento mau” é uma desvalorização perigosa por parte de Pedro Nuno Santos e mostra uma colossal falta de conhecimento do mandato de Ricardo Leão na Câmara Municipal de Loures. São já públicas outras declarações e medidas alinhadas com este discurso. Ricardo Leão ameaçou deixar crianças sem comer nas escolas se os pais não pagassem as dívidas da Ação Social Escolar, ameaçou o despejo de mais de 500 famílias, propôs a retirada do RSI a quem tivesse atrasos no pagamento da água ou da renda, ordenou demolições e despejos sem qualquer alternativa habitacional, tendo existido até momentos de violência policial. Ricardo Leão apressou-se a aplaudir Carlos Moedas na defesa de que as polícias municipais passassem a poder a realizar detenções.

Não foi um “momento mau”. Estas posturas definem Ricardo Leão e definem também o PS, que mantém o seu apoio e confiança política a um presidente de Câmara que, em vez de políticas públicas de resposta aos problemas urgentes da população e que salvaguardem direitos, promove políticas de extrema-direita e perseguição, retrocesso e desrespeito pela Constituição.

O PS quer lançar uma autêntica crise humanitária no concelho de Loures. Isto não é apenas um problema local. A história de 2017 já nos deveria ter ensinado isso. A esquerda precisa de estar à altura deste combate. Todas as forças à esquerda do PS devem tomar uma posição clara e incisiva face à postura de Ricardo Leão e, com as autárquicas à porta, é necessário um entendimento para não só enfrentar o discurso e as políticas de extrema-direita, agora protagonizadas por um eleito do PS, como para apresentar um programa político assente na defesa dos direitos, na garantia da dignidade e na resposta aos problemas urgentes da população.

O Bloco de Esquerda nunca amenizou a sua oposição a Ricardo Leão em Loures, muitas vezes sozinho. Continuaremos a fazê-lo.

Rita Sarrico
Sobre o/a autor(a)

Rita Sarrico

Deputada municipal em Loures, dirigente do Bloco.
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