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A lista anónima

É a transparência que garante um maior escrutínio nas decisões de atribuição de crédito e a divulgação das listas de grandes devedores garante esse objetivo.

Conseguir um consenso nacional não é fácil, já sabemos. Por isso mesmo, quando há um coro público de aprovação do trabalho da recente Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Caixa Geral de Depósitos (Caixa), estamos perante um desses raros momentos que não pode passar sem nota. Sim, é um bom exemplo do trabalho que pode (e deve) ser feito no Parlamento.

Não é acaso que esta Comissão Parlamentar de Inquérito tenha beneficiado de uma alteração cirúrgica ao Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares proposta por Bloco de Esquerda e PSD que possibilitou o acesso à lista dos devedores da Caixa. Foi essa informação que permitiu colocar o nome nos beneficiários de uma gestão imprudente. Joe Berardo, a título de exemplo, nunca se teria transformado no Joker nacional sem esta possibilidade. A transparência é amiga dos interesses públicos como podemos concluir.

As conclusões incontornáveis da CPI dão conta de uma gestão ruinosa e imprudente da CGD. Uma outra conclusão insofismável é a da CGD não ser uma exceção. O rídiculo a que Berardo expôs a gestão da CGD, do BCP e do BES (agora Novo Banco) mostra a transversalidade da gestão de mãos largas para os grandes credores e de obrigações para os pequenos créditos. Mais uma vez a conversa dos “fracos com os fortes e fortes com os fracos”. Um dos pecados da CGD é que não foi diferente dos outros bancos e mantinha os privilégios da elite nacional. Como se provou pelo que nos tem custado, esta gestão do sistema financeiro é claramente acima das nossas possibilidades.

O Banco de Portugal divulgou (finalmente) há dias a lista dos grandes devedores dos bancos portugueses que receberam dinheiros públicos e confirma claramente a tese acima defendida. Entre 2007 e meados de 2018 o Estado injetou no sistema financeiro um total de 23.800 milhões de euros. O dinheiro que faltou para salários ou pensões, que faria a diferença aos serviços públicos, serviu para saldar as dívidas dos grandes incumpridores. E por trás de códigos que defendem o anonimato dos dados, existe uma realidade de um sistema financeiro que andou em roda livre.

Se a pergunta for para que serve o sigilo bancário, a resposta está nos números divulgados. Serviu para esconder quem beneficiou do desastre nacional. Alguns dirão que “expor na praça pública quem investiu em contraciclo seria também um forte desincentivo para quem pede dinheiro à banca para comprar casa ou melhorar a sua empresa”, como aqui escreveu Manuel Carvalho. O problema é que colocar no mesmo saco os empréstimos para a compra de habitações que pesam na vida da larguíssima maioria das famílias portuguesas e os incumpridores de dezenas (ou centenas) de milhões de euros é um exercício impossível. Não há qualquer dilema nesta escolha, particularmente quando sabemos que qualquer buraco do sistema financeiro é resolvido com dinheiros públicos. São fortunas milionárias pagas com o dinheiro dos contribuintes.

Segundo a informação do Banco de Portugal, o cliente “012” da Caixa teve um empréstimo de 1144 milhões em 2007 e logo no final desse ano indicou uma perda de 427 milhões de euros. Estes números devem ter um nome correspondente, público, escrutinável e responsabilizável.

E não é apenas por uma questão de justiça, o que já não seria pouco. É porque precisamos de mecanismos de transparência que acabem com a impunidade e isso só acontece com a publicidade dos responsáveis pelas decisões e dos incumpridores que beneficiam com elas. É que a história tem um fim já conhecido: é sempre o dinheiro público que paga as más decisões do sistema financeiro.

É a transparência que garante um maior escrutínio nas decisões de atribuição de crédito e a divulgação das listas de grandes devedores garante esse objetivo. E deve ser acompanhada pela listagem dos grandes riscos do sistema financeiro, que é a análise da exposição sistémica a setores económicos específicos ou a grandes grupos económicos. Esse é o passo que precisamos de dar, agora que a CPI terminou.

Mas, se essa é a solução sistémica, a resposta para a Caixa passa pela promoção dos interesses estratégicos do país no apoio à economia que crie empregos. Não precisamos da Caixa para ser mais um banco, precisamos que seja a referência do sistema financeiro português.

Artigo publicado no jornal “Público” em 19 de julho de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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