Está aqui
Lembrar Oslo contra a xenofobia “soft”
Que raio de pessoa és tu se apenas tens desconfiança e ódio para com as pessoas refugiadas? Se nelas não encontras humanidade, talvez estejas a perder a tua. A xenofobia e a islamofobia "soft" avança no discurso das pessoas mais inesperadas. Não nos enganemos, estas pessoas que assim reagem não são necessariamente más pessoas. Mas das pessoas comuns e de boas intenções se faz o inferno na terra, quando o discurso do ódio triunfa através das suas mil máscaras.
Seguindo as mesmas (i)lógicas xenófobas amplamente divulgadas, seria legítimo alguém pegar nos atentados de Oslo (2011) para desumanizar as pessoas cristãs e todas e todos que vivem em países de maioria cristã? Lamento até entrar nesta linguagem que ergue erradamente as maiorias religiosas em padrão cultural de populações inteiras, diversas a vários níveis.
Recordemos, então, um dos feitos da islamofobia na Europa. Vale a pena. É que não vale de nada andares a chorar quando vês filmes sobre o Holocausto ou quando vês fotos ou notícias de outros crimes contra a humanidade, e depois andares a divulgar discursos de desconfiança e ódio contras as pessoas islâmicas ou de países de maioria islâmica.
Lembrar Oslo 2011
O duplo atentado na Noruega, em 22 de julho de 2011, chegou a ser atribuído (por impulso do discurso dominante sobre o terrorismo) aos fundamentalistas islâmicos. Contudo o autor confesso é um membro da extrema-direita norueguesa chamado Anders Behring Breivik, um europeu nórdico com 32 anos à época, fundamentalista cristão e anti-islâmico.
Afirmava-se que tinham sido pelo menos 92 mortos: mais de 80 mortos no acampamento de jovens do Partido Trabalhista na ilha de Utoeya e os 7 mortos e 2 feridos do atentado à bomba em Oslo. Entretanto esse número foi corrigido para 76 mortos.
O relatório da polícia de segurança interna da Noruega PST para 2011 assinalava que “um aumento da atividade dos grupos anti-islâmicos pode conduzir a uma mais acentuada polarização e a convulsões, nomeadamente durante ou em ligação a comemorações e manifestações”. Por outro lado, o mesmo relatório sublinhava que a principal ameaça em 2011 para a Noruega “não vem do extremismo cristão, mas sim do muçulmano”. O documento não podia ser mais claro: “Certos extremistas islâmicos surgem atualmente cada vez mais orientados a agir a nível internacional e é principalmente este grupo que poderá constituir uma ameaça direta à Noruega”.
Não podemos estar certos sobre as informações que circularam na internet sobre o perfil (de facebook) do referido militante da extrema-direita. Mas o mais relevante é que o crescimento da extrema-direita de carácter ultranacionalista e anti-islâmico é negligenciado e muitas vezes protegido à sombra de uma suposta "tolerância democrática" ao crescimento dos fascismos, ou pelo menos de certos fascismos.
Aos conservadores, liberais e a todos os outros que querem virar a identidade política europeia de anti-fascista para anti-comunista (ver Uma teoria que não é socialista...) são acontecimentos como este que, infelizmente e com o custo de vidas humanas, vêm provar a necessidade de não esquecermos o legado anti-fascista da Europa. Da esquerda à direita, todas e todos os democratas europeus têm o dever de ser intransigentes na defesa da democracia e não permitir a organização política dos fascismos, independentemente das religiões e nacionalismos a que se queiram associar. A extrema-direita avança em França e está no poder na Hungria, podemos dormir com tranquilidade enquanto isso acontece?
O perigo da "xenofobia soft"
A xenofobia soft começou logo a criar o seu argumento para o "filme" do autor confesso dos atentados de Oslo: “A sua raiva, alimentada por videojogos, pode também ter sido causada pela falta de um verdadeiro debate sobre as mudanças radicais causadas pelo multiculturalismo” (em The Brussels Journal). Parece que a culpa foi dos videojogos e da diversidade cultural.
Entre outros elementos desse discurso, considero que entrar em contabilidades sobre quem matou mais é vergonhoso: “Os milhares e milhares de mortos causados pelo Islão (radical) deviam pesar mais que estas 92 mortes”. Como se matar uma pessoa não fosse de mais. Justificam-se os crimes com contabilidade de cadáveres? A existência de crimes de fascistas islâmicos justifica que se feche os olhos ao crescimento de uma extrema-direita anti-islâmica na Europa?
Ontem, como hoje, preocupam-me principalmente as teorias da "xenofobia razoável". Trata-se de uma variante do método polícia-bom/polícia-mau: para evitar a violência subjetiva e sangrenta dos "anti-muçulmanos hardcore", defendem há que aplicar uma política anti-muçulmana soft, ou seja, há que aplicar uma violência objetiva/estrutural de barreiras legais à cultura e às pessoas muçulmanas: desde proibições de minaretes na Suíça (rever aqui) às leis anti-imigração seletivas.
Temos de estar atentos e politicamente atuantes, pois ressurge perigosamente uma política da "xenofobia razoável", da mesma linhagem do "antissemitismo razoável" do colaboracionista francês Robert Brasillach, que afirmou em 1938: “Nós permitimo-nos aplaudir Charlie Chaplin, um meio judeu, nos cinemas; admirar Proust, outro meio judeu; aplaudir Yehudi Menuhin, um judeu; e a voz de Hitler é carregada por ondas de rádio que receberam seu nome do judeu Hertz (…) Nós não queremos matar ninguém, nem queremos organizar nenhum pogrom. Mas também pensamos que a melhor maneira de conter as sempre imprevisíveis ações do anti-semitismo instintivo é organizar um anti-semitismo razoável.” (Robert Brasillach).
O que é que tu tens a ver com isto?
A minha Europa é aquela que nem origina esta tragédia nem lhe fecha os olhos e as portas com vergonhosos muros. É outra Europa, uma que não existe ainda. E a tua qual é?
O discurso da xenofobia soft apresenta-se como "razoável", apela ao sentimento de defesa dos "nossos" pobres, destaca e falsifica notícias, vídeos e imagens com o objetivo de desumanizar as pessoas que se pretendem refugiar na Europa e que estão a fugir das guerras fomentadas e fornecidas de armas pela própria Europa.
Quando foi um Governo português a abrir a sala (Cimeira das Lajes, 2003) da reunião que impulsionou a desestabilização de toda uma região, não temos nada a ver com o que se passa? Quando Portugal participou das alianças agressivas (em articulações em torno da NATO) que abriram caminho ao autodenominado "Estado Islâmico", não temos nada a ver com isso? E, recuando mais tempo, quem antes também armou e treinou "fascistas-islâmicos" não foi o autoproclamado "Ocidente"?
Ontem, festejavas a conquista de Ceuta. Hoje, chamas invasores aos refugiados das guerras que ainda hoje sustentas por atos e omissões.
Adicionar novo comentário