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Kukutza: Resistência Cultural

Kukutza III é um centro cultural autogerido no bairro de Rekalde, em Bilbau. Este projecto popular está sob ameaça, porque o proprietário quer construir prédios de luxo.

Kukutza III é um centro cultural autogerido no bairro de Rekalde, em Bilbau. Os graffiti que decoram a fachada substituem o velho edifício industrial por uma nova fábrica de criatividade. Foi ocupado há 13 anos e transformou o espaço vazio, abandonado e degradado num local de actividade permanente que incorpora um espaço de concertos, uma ciber-biblioteca, uma cantina popular, ginásio, espaço de dança, alojava vários colectivos e tinha sítios para dormir.

A importância do Kukutza na conformação do tecido social do bairro de Rekalde é indiscutível. Kukutza dinamiza e é parte integrante do bairro com um apoio empenhado dos moradores. Têm desenvolvido inúmeras actividades, desde workshops de acrobacias, expressão teatral, flexibilidade ou escultura até às aulas de flamenco, de escrita criativa e ballet. Enumerar todas as suas actividades neste artigo seria impossível. Mas este projecto popular está sob ameaça, porque o proprietário quer construir prédios de luxo, numa cidade como a de Bilbao onde as rendas são caras. Assim se substitui o interesse público pelo interesse privado.

Nesta quarta-feira, a polícia Basca procedeu à acção de despejo. Às 5h soou o alarme e dezenas de carrinhas do corpo de intervenção cercaram e invadiram o centro social. 30 activistas sociais do Kukutza foram presos, dezenas foram feridos. A resposta à ocupação do Kukutza por parte da polícia foi uma manifestação de 7.000 pessoas, que pediam ao governo basco para proteger o edifício e alterar o seu registo para património cultural. Desde quarta-feira até hoje, houve um impasse e as autoridades bascas não sabiam o que fazer, até que sexta-feira a Juiza Elena Galán Rodríguez de Isla deu luz verde à demolição do edifício.

Com o despejo e com a sentença de que poderá ser demolido a qualquer minuto, não está somente em perigo o papel socializador que o Kukutza tem no bairro tal como o conjunto de actividades que desenvolvem, mas o projecto cultural popular. Por detrás desta ameaça existe a intenção de construir apartamentos de luxo, que favorecem a especulação e que são inacessíveis à maioria das pessoas. Assim se quer substituir um espaço cultural, de partilha e de mais valia social, por um espaço fechado, guetizado, para mais valia do capital. Substituir as pessoas por lucro. Para além do derrube físico da fábrica, querem derrubar o projecto popular que ali nasceu, querem derrubar as pessoas coloridas numa cidade cinzenta e substitui-las por uma cidade colorida com gente cinzenta. Apesar das várias análises que se pode fazer, Kukutza representa a materialização, em pequena escala, da reconfiguração das relações sociais, da redistribuição em vez da centralização, da reciprocidade em vez da acumulação.

Falar de Kukutza é sinónimo de cultura popular, de música, de arte, de expressividade e de criatividade. Este centro cultural escapa à lógica do mercado e aos processos de autonomização dos campos culturais que se encontram cada vez mais ameaçados pela lógica comercial que se apropria de todas as etapas de produção da cultura. Kukutza apresenta-se como alternativa ao que é imposto e querem derrubar essa alternativa. Podem derrubar o edifício mas não a ideia. É por isso que este é um exemplo não apenas para o país basco, mas para Portugal e para onde quer que haja gente que reivindica cultura e rejeita a cultura da violência. Menos especulação imobiliária e mais criação. É por isto que Kukutza resiste.

Sobre o/a autor(a)

Mestre em Sociologia. Assessor do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu.
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