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Jackpot nas elétricas

O Fundo Ambiental, peça fundamental para as transformações na economia que nos ajudem a combater as alterações climáticas, está a ser esvaziado para encher os cofres de EDP e companhia. É um saque.

O verão foi escaldante nos preços de energia. À medida que a retoma económica se instala mundialmente, a procura por matérias-primas disparou e o mesmo aconteceu nos preços do combustível e do gás. É visível a evolução do preço do petróleo nas flutuações (em sentido sempre ascendente) nas bombas de combustíveis. Menos visível, mas muito mais explosivo tem sido o preço do gás que quadruplicou de valor nos mercados internacionais desde abril, muito por culpa da ação da Rússia. O preço começou por dobrar até agosto e depois disparou. E, alerta à navegação, não há qualquer teto à vista - os mais otimistas dizem que só no fim do inverno é que começarão a estabilizar os preços, os mais pessimistas não se arriscam a fazer prognósticos tal é a volatilidade.

Face a esta evolução dos preços dos hidrocarbonetos, seria de esperar que as estratégias de produção de energia renovável implementadas no país começassem a mostrar o benefício. Ainda há meses se atingiam os valores mais baixos de sempre nos leilões de energia solar, a produção eólica e hídrica já estão em fase de cruzeiro e com a maior parte dos investimentos amortizados. A energia elétrica seria a nossa salvação num mercado de energia que está a ficar louco. Só que o esperado nem sempre se torna realidade, particularmente quando do outro lado da balança do interesse público se encontram os interesses das grandes empresas de produção de eletricidade. Aqui começa mais um saque à riqueza nacional por aqueles que já tanto nos têm tirado - com o alto patrocínio do Governo, em particular do sr. ministro do Ambiente.

Vou começar pelo fim, que é o mais escandaloso: para garantir lucros avultados às grandes empresas elétricas o Governo decidiu desviar do Fundo Ambiental centenas de milhões de euros. O Fundo Ambiental, peça fundamental para as transformações na economia que nos ajudem a combater as alterações climáticas, está a ser esvaziado para encher os cofres de EDP e companhia. E porquê? Para lhes pagar dinheiro que não deviam receber. Isto não é política climática, é um saque.

E qual a justificação para este desplante? O mercado de eletricidade está baseado em regras absurdas em que o Governo não quer mexer, para não tocar nos interesses dessa elite económica. Diz uma das regras de mercado que o preço de venda é fixado pelo operador mais caro do mercado - regra que serviu no passado para apoiar o investimento nas energias renováveis. Mas, o que até podia ter alguma virtude no passado, é agora um peso insuportável na economia.

Na prática, estamos a pagar a água que passa nas barragens para a produção de eletricidade ao preço de gás natural - o tal que já quadruplicou de preço desde abril e que teima em não parar de encarecer

Na prática, estamos a pagar a água que passa nas barragens para a produção de eletricidade ao preço de gás natural - o tal que já quadruplicou de preço desde abril e que teima em não parar de encarecer. Isso faz com que os lucros dos produtores de energia elétrica renovável não sejam pelo produto que vendem, mas sim como se estivessem a importar e a vender gás. Não houve nenhum investimento nas barragens, a água é a que provém da chuva e não consta que tenha sido enriquecida com ouro ou metais preciosos, no entanto é mais cara do que champanhe.

O problema tem derivações internacionais, particularmente nos preços de eletricidade nos mercados não regulados. Em Espanha, as contas de luz aumentaram 37% em um ano, imagem do que também aconteceu em Itália. Na Bélgica, onde a energia já era cara, estima-se que um em cada cinco agregados familiares se encontre em situação de “pobreza energética” antes do inverno. Mas em muitos países isso decorre da dependência que têm do gás natural, não do sobrecusto da produção renovável.

Em Espanha, face à rápida evolução do preço da eletricidade, o Governo decidiu cortar nestes sobrelucros das elétricas. Porque não faz o mesmo o Governo português, trazendo justiça para um mercado de energia absolutamente injusto?

A situação é catastrófica e começará a sentir-se em Portugal de forma cada vez mais visível. Já assistimos a vários setores de atividade que fizeram disparar os alarmes e a situação irá agravar-se. É que as medidas do Governo não vão à génese do problema, não apagam o fogo, servem apenas para atirar dinheiro para a fogueira. É preciso ter coragem para cortar neste abuso.

Em Espanha, face à rápida evolução do preço da eletricidade, o Governo decidiu cortar nestes sobrelucros das elétricas. Porque não faz o mesmo o Governo português, trazendo justiça para um mercado de energia absolutamente injusto? São novas rendas para beneficiar os mesmos de sempre, desta feita à custa de dinheiro público que devia ser usado para combater as alterações climáticas ou criar mais eficiência energética.

Artigo publicado no “Público” a 26 de novembro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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