António Costa para se defender, na trincheira em que ele próprio se fechou, respondeu a Catarina Martins acusando-a e ao Bloco de Esquerda de não defender a autonomia da mulher, no caso da secretária de estado da Agricultura. O marido é que está acusado e a mulher não tem nada a ver com isso! E o Bloco devia respeitar este princípio!
Será?
A lei vigente prevê, e bem, que qualquer titular de cargo político ou cargo público indique na declaração de rendimentos e de interesses o nome do cônjuge (marido ou mulher) ou daquele ou daquela com quem vive em união de facto. A declaração de rendimentos pede ainda a indicação das contas bancárias. Não será por acaso que estas normas existem. Não será por acaso que tem de se garantir que a lei não é “fintada” transferindo valores indevidos para familiares. Não será preciso relembrar aqui quão vulgar este expediente foi.
António Costa enxovalhou valores da ética republicana e fá-lo com uma displicência incrível. Ninguém diz que a secretária de estado agora nomeada cometeu este ou aquele crime, a boa prática diz, tendo em conta a situação do seu marido, que não pode estar no governo. E não porque não é autónoma, na situação inversa seria a mesma coisa, mas porque como membro do governo tem de estar numa posição equidistante de qualquer suspeita. Não será acusada por comparação com o marido, mas o interesse público, o serviço público impõe que ela se afaste. Pensei que António Costa sabia disto, tanta vez evoca os seus pergaminhos como jurista, mas pelos vistos já esqueceu.
A ética e os seus princípios servem para defender a Democracia e como muito bem disse Catarina Martins, as obrigações dos eleitos/as não se limitam ao que é crime ou não é crime, vão para além disso. Não pode haver dúvidas sobre o comportamento de quem exerce cargos públicos. Esta é condição essencial para defender a Democracia.
Irrita assistir a esta situação. Mas ainda me irrita mais ver o aproveitamento de causas tão nobres como os Direitos das Mulheres serem usados como argumento para justificar o que não tem justificação. Esteve mal o Primeiro-Ministro.
Artigo publicado na página de Helena Pinto no facebook a 5 de janeiro de 2023
