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Hospital de proximidade de Sintra: mais dúvidas que certezas

Foi assinado em Sintra o protocolo que, se não tiver o mesmo destino que outras promessas dos últimos 30 anos, resultará na construção de um Hospital de Proximidade em Sintra.

Trata-se de uma obra de grande envergadura que a Câmara de Sintra, excedendo as suas competências e tentando tirar dividendos eleitorais, irá pagar, permitindo à população aceder a um equipamento que, desde há muito tempo, anseia.

A decisão por determinado tipo de hospital não é fácil. Implica custos, mobilização de meios para construção e financiamento e toda a gestão de uma população e território. Deve ser feita de acordo com as necessidades identificadas e previstas, sempre em articulação com os recursos e a capacidade de resposta já existentes numa determinada região.

O protocolo foi previamente discutido pelos órgãos autárquicos. Neste artigo fazemos uma análise à documentação que foi tornada pública (disponível aqui), esclarecendo alguns aspectos e identificando vantagens e desvantagens na solução apresentada, bem como algumas questões por responder e opções que ficam pouco claras.

Afinal o que é um hospital de proximidade?

A ideia de "Hospital de Proximidade" surge ligada à da existência de Serviços de Saúde e de Apoio Social acessíveis aos cidadãos. Trata-se de unidade de retaguarda para utentes em convalescença e para dar resposta a solicitações oriundas dos cuidados primários (centros de saúde), nomeadamente ao nível das consultas de especialidade – chama-se a isto Cuidados Continuados Integrados.

É uma novidade em Portugal, onde existe um hospital destes em Lamego, inaugurado em 2013, e outro projectado para Seixal. São realidades distintas de Sintra, no que respeita à área e à população abrangidas, pelo que a comparação com estas unidades se torna difícil.

É uma necessidade que o país tem, há muitos utentes internados em enfermarias hospitalares que poderiam ser transferidos para este tipo de unidades, libertando recursos para outros que deles necessitam mais. Disponibilizar camas no Hospital Fernando da Fonseca (HFF), garantindo acompanhamento de qualidade numa unidade mais pequena permitirá gerir melhor os recursos daquela unidade.

Por outro lado, o país também necessita de serviços para cuidados paliativos, para dar resposta a pessoas em fim de vida, quando a perspectiva da cura já não é realista e é preciso prestar cuidados e conforto a nível físico e emocional a utentes e familiares.

Uma escolha que deixa várias questões em aberto

Não se compreendem os critérios pela opção do Hospital de Proximidade para o concelho de Sintra. Será uma unidade útil e importante mas não se sabe se, realmente, responde às necessidades. Dizer, como tem feito Basílio Horta, que é a única possível é fugir a uma escolha que deve ser pautada pela racionalidade e por dados concretos.

Nunca foram disponibilizados a autarcas e cidadãos/ãs estudos que justifiquem a construção de um hospital com estas dimensões e características. Até podem existir, mas o facto de não serem conhecidas as razões da escolha torna todo o processo opaco.

Por outro lado, o despacho que criou o “Grupo de Trabalho do Polo Hospitalar de Sintra” (ver aqui) já definia o perfil do hospital. Ou seja, o grupo que deveria “coordenar a elaboração do estudo tendente à criação do Polo Hospitalar de Sintra” estava condicionado à partida por uma decisão da tutela.

Aspectos positivos, omissões e dúvidas do protocolo

A informação disponível permite identificar alguns aspectos positivos do projecto, tais como a localização perto de vias de acesso e possibilidade de ampliação do edifício para responder a necessidades futuras.

Outro aspecto positivo prende-se com a previsão de alguma autonomia na realização de exames complementares de diagnóstico, nomeadamente ao nível da imagiologia, ou a horário alargado de funcionamento das consultas externas.

O protocolo é rico em omissões e aspectos que ficam pouco claros, situações que no futuro se poderão revelar uma desilusão ou traduzir num sentimento de desilusão ou de descontentamento.  

O Ministério da Saúde vai fazer alguma compensação à Câmara de Sintra pela oferta do edifício? A Câmara terá alguma palavra a dizer sobre decisões futuras do governo sobre estas instalações e esta unidade hospitalar?

Não se fala de dimensão do quadro de pessoal nem da sua relação com o Hospital Fernando da Fonseca - estarão destacados? Haverá equipas autónomas?

Não é apresentado horário de funcionamento da urgência Básica, quais as características físicas deste serviço e da equipa que assegura o seu funcionamento (será exclusiva? os médicos virão da Amadora?).

Não são esclarecidos os circuitos de transporte e circulação de utentes entre hospitais da Amadora e de Cascais quando este for necessário.

E há também dúvidas que têm de ser desde já colocadas e que deveriam não só ter resposta antes da construção do hospital como motivar o redimensionamento do projecto.

Imaginemos um surto de gripe (ou outra situação) com elevada afluência à urgência básica e necessidade de internamento de utentes, como se procede? Internamento na Amadora e em Cascais? Vamos andar num via vem no IC19 e na A16? Quem paga?

Existirão 4 blocos para cirurgias em ambulatório – são a menos? São a mais? Que critérios justificam esta dimensão? As equipas cirúrgicas vão ser do hospital ou são dos outros hospitais e vêm fazer uma perninha a Sintra?

Nos casos em que há necessidade de intervenções cirúrgicas mais complexas, todo o processo pré e pós operatório será feito em Sintra, sendo usados os Blocos dos Hospitais de referência. Quem paga deslocações? Será esta a solução para as listas de espera no HFF?

Será que 60 camas para cuidados continuados e paliativos são o suficiente para responder a uma população tão extensa e numa área onde praticamente não há oferta pública a este nível?

Por fim, há um aspecto que, pelos contornos que apresenta, se pode classificar como folclóricos: o anúncio de que será uma unidade voltada para a formação e ensino.

Na propaganda que tem feito ao hospital, a Câmara de Sintra tem dado muito destaque ao facto desta unidade ser voltada para a formação e ensino, mas os equipamentos apresentados para este fim são aqueles que uma empresa/instituição desta dimensão deverão ter para garantir um normal funcionamento. Não é apresentada a intensão clara deste ser um pólo de ensino e investigação de referência, articulado com universidades e escolas profissionais. Ou seja, muita parra e pouca uva. 

Em jeito de conclusão

Como já vimos, a opção minimalista até pode ser a melhor, mas não está claramente justificada. Isto não significa estar contra a existência de uma unidade hospitalar em Sintra ou, como tem sido hábito, querer que a decisão seja adiada para dia de S. Nunca. Por outro lado, a opção maximalista – hospital com tudo e mais alguma coisa – também carece de sustentação técnica.

A urgência de solução do problema não apaga o facto de a decisão estar a ser tomada de forma pouco clara e, provavelmente, pouco satisfatória para as necessidades da população. O concelho de Sintra merecia menos foguetório pré eleitoral e mais consideração por parte das autoridades do país.

O mal menor, usado como argumento de autoridade por Basílio Horta, conforta o PS e, provavelmente, os grupos privados que têm interesses no concelho. Mas não convence.

Artigo publicado em sintra.bloco.org

Sobre o/a autor(a)

Enfermeiro, doutorando em Saúde Internacional no IHMT/NOVA. Deputado municipal em Sintra, eleito pelo Bloco de Esquerda
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