As análises mais apressadas sobre a vitória da Frente Nacional (FN) nas regionais francesas, como as do inefável Miguel Sousa Tavares, colocam a tónica na reação popular ao terrorismo alavancada por esta força política, ainda que, concedem, tal se deva à sua desenfreada demagogia.
Pela minha parte, gostaria antes de destacar o que o politólogo Jean-Yves Camus apelida de conquista da “hegemonia cultural pela extrema-direita”. Na verdade, o PS francês claudicou grosseiramente na resistência ao nacionalismo xenófobo ao insistir no discurso belicista e na retórica securitária. A constelação semiótica neoconservadora da “força” ou do “estamos em guerra e utilizaremos todos os meios disponíveis” mais não faz do que confirmar o trabalho ideológico da FN na busca de um Estado forte nos domínios da segurança e da ordem, exteriorizando todos os males no estigma dos imigrantes e refugiados, corpos estranhos e anómalos que questionam e desestabilizam as construções identitárias. A “cristalização do imaginário coletivo” nestes temas (88% dos franceses, segundo estudos de opinião da Fundação Jean-Jaurès, acham que a autoridade não é suficientemente respeitada) mostra bem como o descontentamento social é colonizado pelo eixo Nação/Segurança.
Por outro lado, esta vitória simbólica da FN é indissociável das políticas de austeridade da última década e da insegurança causada, como sublinha Emmanuel Négrier, pelo abandono dos territórios rurais e a destruição/concentração metropolitana de serviços públicos. O voto FN (que é cada vez mais interclassista, albergando uma sobrerrepresentação de setores populares mas também de quadros superiores no Nordeste do país) aumenta nos territórios com menor enquadramento social e associativo.
Em suma: a vitória da extrema-direita resulta da debandada da social-democracia para o terreno securitário ao impor a mão direita do Estado (a ordem) e decepando a sua mão esquerda (a proteção social). Oferece de bandeja a hegemonia cultural e desiste de lutar pelos seus.