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Guimarães: Capital da Cultura, ou capital da fome?

Guimarães e a Região do Vale do Ave são, nos dias que correm, o espelho das contradições que assolam o nosso País.

De um lado a Fundação Cidade de Guimarães (responsável ela organização da Capital Europeia da Cultura 2012) e os copiosos vencimentos da sua administração. Um oásis de fartura que tanto mal-estar têm provocado.

Do outro, um colectivo vítima de mais uma dura crise, num território onde a taxa de desemprego é das mais elevadas do País, onde a promoção da cultura e do património não chegam para iludir um processo de desindustrialização, de empobrecimento e de erosão do valor do trabalho operário.

Ainda esta semana vozes do empresariado peroravam contra a falta de mão-de-obra, alegando que a culpa era do subsídio de desemprego, cujo valor desmotiva gente molengona a reingressar no mercado de trabalho, omitindo aquilo que os sindicatos se apressaram a desmascarar: a oferta de vencimentos abaixo do salário mínimo nacional.

Temos, assim, um trabalho que se pode enquadrar nas - agora tão na moda - indústrias criativas, altamente valorizado e principescamente pago.

E, no outro extremo, um trabalho ligado às indústrias tradicionais, completamente desvalorizado e despudoradamente explorado.

Parece que o grupo do trabalho criativo e principescamente pago está a preparar um espectáculo que visa a reconstituição histórica da “Marcha da fome”, um acontecimento ainda hoje bem presente na memória colectiva das gentes de Pevidém, ocorrido por alturas da 2ª Guerra Mundial, contra o salazarismo e a miséria.

A fazer fé nas previsões recessivas para os próximos anos, não será preciso montar nenhum espectáculo evocativo desses tempos tão difíceis. A realidade ultrapassará a evocação da memória e os trabalhadores sem trabalho arriscam-se a ser os actores da sua própria história de fome. Com marcha ou sem marcha.

As indústrias criativas, às vezes, criam ironias muito amargas.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, técnica de segurança social.
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