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Geração Europa?

Muitas pessoas perguntaram-me por que decidi estudar emigrantes qualificados que escolhiam a França como destino.

Em primeiro lugar, diziam, aliás com razão, o recrudescimento das saídas continua a ser protagonizado por pessoas com pouca qualificação; em segundo lugar, a minoria de qualificados que compõe a nova vaga emigratória dirige-se a outros países (Inglaterra, Alemanha, Suécia, Noruega, Brasil, Angola…) que não a França.

É verdade que a esmagadora maioria dos que saem tem fraca escolarização (ainda assim é claramente superior à das anteriores vagas, pelo próprio processo estrutural das últimas décadas de forte expansão da escolaridade obrigatória); é verdade, também, que nunca deixou de existir emigração, apesar do deslumbramento fátuo dos anos noventa (os “gloriosos anos” da modernização à portuguesa), em que a imigração provisoriamente suplantou as saídas; é verdade ainda, que os mass media parecem ter esquecido os “velhos” emigrantes, num encantamento pelo que é “sexy” (jovem, escolarizado, urbano e cosmopolita). Eu próprio tive imensa dificuldade em encontrar uma amostra. Apesar das múltiplas bolas de neve que tentei fazer rolar (embaixada, consulados, universidades, associações da comunidade portuguesa em França, agências bancárias, rede de autarcas luso-descendentes…), apenas consegui encontrar inquiridos (113) e entrevistados (14) através da Casa de Portugal em Paris, das Alliances Françaises e, principalmente, das redes sociais (Facebook e Linkedin). Em suma, obtive uma amostra de conveniência e sem representatividade estatística, o que, por si só, comprova que há pouca emigração qualificada para França.

Então por que os estudei? Precisamente porque são estatística e oficialmente invisíveis, sem registo pelos aparelhos estatísticos nacionais (movimentam-se no espaço Schengen, que pretende abolir os registos e as restrições à mobilidade), sem rasto nas autoridades francesas e portuguesas, que raramente contactam. E ainda porque o retrato mediático tende a ser redutor e quase só baseado em experiências subjetivas (que, não devendo ser ignoradas, devem ser matizadas por padrões e regularidades).

Os jovens que estudei (com o apoio da direção geral das comunidades portuguesas e dos assuntos consulares) são essencialmente mulheres (fala-se pouco disso), com retaguardas familiares estáveis ou até confortáveis (aspeto que nunca vi mencionado) e que, na sua maioria, escolhem emigrar mais pelo desejo de deixarem de ser sociologicamente jovens (isto é, aprisionados nas transições para o mercado de trabalho minimamente estável; para uma família de destino; para a conjugalidade e a parentalidade), do que por desespero ou privação extrema. Querem prosseguir carreira na sua área de formação; almejam uma boa remuneração; pretendem constituir família e ter casa própria, em autonomia face aos progenitores E escolhi a França porque é um contexto privilegiado para acumular conhecimento, comparando as várias vagas, os seus processos de inserção e a sua relação com Portugal.

Ruben Alves (o realizador de "A Gaiola Dourada") num colóquio realizado no dia 9 por iniciativa do observatório dos luso-descendentes e com apoio do consulado geral de França no Porto, dizia, a propósito dos resultados que apresentei, que o que mais o impressionava prendia-se com a diferente perspetiva de retorno: enquanto, para as anteriores vagas, o regresso a Portugal era encarado como a fantasia que iluminava os dias, os jovens que estudei não o vislumbram como hipótese de curto e médio prazo e são claros em fazer depender um eventual retorno do que Portugal tiver para lhes oferecer.

Razões de sobra, em suma, para estes estudos sejam também um conhecimento do país que (não) temos.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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