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Gastar dinheiro em copos e mulheres

Sei bem que as declarações do holandês errante expressam uma opinião que perpassou muitas cabeças durante a mais recente crise económica.

"Dijsselbloem acusa os europeus do Sul de gastarem dinheiro em “copos e mulheres

anuncia o Público e outros jornais da península, referindo-se a uma notícia num diário alemão. Confesso que não consegui ler no Frankfurter Allgemeine as palavras do omnipresente financeiro tal qual são descritas na imprensa ibérica. À hora deste escrito, o relato ipsis verbis do ainda presidente do órgão sem legitimidade suficiente que é o Eurogrupo não estava disponível na versão electrónica do conservador FAZ.

Todavia, sei bem que as declarações do holandês errante expressam uma opinião que perpassou muitas cabeças durante a mais recente crise económica. De resto, já antes existia. Arrisco-me a dizer que talvez exista nestes termos desde o declínio da Hélade e a estrondosa queda do Império Romano, a quem os bárbaros metiam nojo. A ideia é: os povos do Sul são uns mandriões, hedonistas e irresponsáveis, os do Norte uns trabalhadores, sóbrios e atinadinhos. E que uns vivem à custa dos outros. Ou seja, uma forma básica de racismo e xenofobia, alimentada pela ignorância, pelo preconceito e pelo medo.

Infelizmente em Portugal também nos deixámos e vamos deixando levar por este discurso, tanto à direita como à esquerda. Recuso-me a responder na mesma moeda. Não acho que todos os cidadãos do Norte pensem o que os jornais dizem que Dijsselbloem disse. Uma breve visita a países diferentes do nosso, incluindo a Holanda e Alemanha, ensina que a grande maioria das pessoas, independentemente de onde vivam e das suas origens geográficas, são solidárias, compreensivas e prontas a ajudar o próximo se for preciso. Viver neles uns bons anos confirma-o. Mas em todo o lado há estúpidos que vendem a própria mãe e encorajam ou obrigam outros a fazer o mesmo, assim o exija o mercado. Por cá também os temos.

Na economia e na sociedade não há pontos cardeais, há classes. Há capitalistas e assalariados, miseráveis e pobres, remediados e abastados, ricos e riquíssimos. E há quem, de crista e penacho, cacareje a mando deste ou daquele. É o caso de Dijsselbloem, um aguenta-aguenta versão laranja mecânica, aldrabão e proeminente membro do pasokizado Partido dos Trabalhadores (PvdA), que nas últimas eleições holandesas perdeu mais de dois terços de deputados na Tweede Kamer. É o que acontece a quem se diz uma coisa e se faz outra.

Caro sr. Dijsselbloem, deixe-me que lhe diga: por cá não andamos a gastar dinheiro em putas e vinho verde, que era provavelmente o que queria dizer em bom português. Andamos é a vergar a mola todos os dias para pagar políticas neoliberais de pançudos travestidos de socialistas ou sociais-democratas que andam a enganar o povo por essa Europa e mundo fora. E já que vem do país das flores, passe bem e andor violeta.

Artigo publicado no blogue onaviodeespelhos.wordpress.com

Sobre o/a autor(a)

Linguista. Dirigente distrital do Porto do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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