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Garantir que os baldios são parte de um futuro melhor

Os baldios são propriedade comunitária a transmitir aos vindouros, e a sua utilização não deve comprometer irremediavelmente a fruição futura.

Os baldios são terrenos de gestão e uso comunitários, com estatuto constitucional próprio, compondo uma realidade multissecular de espaços tradicionalmente fruídos por comunidades locais que deles retiram as suas utilidades.

Com esta iniciativa legislativa, o Bloco de Esquerda visa a sua defesa e a clarificação legislativa em aspetos que a vida o vem a exigir.

Aproveito desde já para saudar iniciativas que vêm no mesmo sentido, apresentadas por PCP, PS e PEV. De todas sairá, com certeza, uma deliberação que reverterá as infelizes decisões da anterior maioria e devolverá em pleno os baldios às populações.

Ao longo dos séculos, os baldios sempre foram objeto de cobiça dos mais poderosos, sendo muitos os episódios de apropriação, consumada ou não, destes bens de propriedade comunitária. Todos estes episódios enfrentaram a contestação popular, originando revoltas, algumas das quais bem próximas, no período do fascismo, tão bem relatadas por Aquilino Ribeiro.

Os meios de produção comunitários, que são fundamentalmente os constituídos por baldios, estão integrados no setor cooperativo e social dos meios de produção definido no artigo 82 da Constituição, cuja especificidade e consequente distinção jurídica é por ela garantida.

Na anterior legislatura, a maioria PSD/CDS tratou de fazer aprovar a Lei 72/2014 com o intuito de tentar destruir paulatinamente esta forma de propriedade, introduzindo-lhe elementos tendentes à sua privatização, criando a possibilidade de apropriação privada de uma nova fonte de rendimento.

Só assim se explica todo o interesse em permitir a extinção de baldios, abrindo o caminho à sua privatização, ao recurso à figura do arrendamento, ou ainda a sua integração na Bolsa de Terras.

Os baldios são propriedade comunitária a transmitir aos vindouros, e a sua utilização não deve comprometer irremediavelmente a fruição futura. Constituem uma reserva de um bem não produzível – o solo – com todas as implicações económicas e ambientais que isso acarreta.

A sua gestão é democrática, pelos compartes, e regulada pelos usos e costumes. Esta forma de gestão coletiva envolve as pessoas e cria um forte sentimento de pertença à comunidade e de proteção dos bens coletivos.

Seja na sua exploração tradicional, seja em usos mais modernos, como a geração de energias alternativas ou a instalação de equipamentos de telecomunicações, os baldios são geradores de riqueza significativa.

Os baldios e as receitas que geram para as comunidades acabam por constituir um estímulo à permanência e fixação de pessoas em áreas do interior.

Tal constitui um fator significativo na ocupação e ordenamento do território e - porque tanto se fala disso, por enquanto - garantia de uma melhor vigilância e proteção contra incêndios ou outras catástrofes.

É certo que nalguns locais a gestão dos baldios apresenta algumas fragilidades - que não ignoramos. Mas há, por outro lado, muitos outros bons exemplos de gestão como na Serra de Alcanede ou em Miranda do Corvo.

Aos primeiros, que por diversas razões vivem com dificuldades organizativas, é fundamental que o Estado os apoie e ajude a ultrapassar as suas dificuldades. Aos segundos, importa incentivar e dinamizar.

O Estado administração tem, portanto, o indispensável papel de apoio técnico a estruturas dos baldios - sem, contudo, caírem na velha e conhecida tentação de se substituírem à vontade dos legítimos órgãos próprios de gestão.

A todos importa garantir que a propriedade dos baldios é das comunidades, é inalienável, é garantida pela Constituição e protegida pela lei. Garantir, em suma, que os baldios são parte de um futuro melhor.

A direita enche permanentemente a boca com a necessidade de “estabilidade” e na “previsibilidade”. Exortamos, portanto, PSD e CDS a defenderem a previsibilidade do futuro e a estabilidade dos baldios, tanto como defendem a estabilidade dos lucros das celuloses ou a estabilidade dos baixos impostos sobre os grandes grupos financeiros.

Estamos convencidos que o debate de hoje marcará um virar de página na defesa dos baldios e das comunidades que aí encontram os seus espaços e os seus rendimentos. É com esse objetivo que o Bloco de Esquerda hoje apresenta aqui este projeto de Lei.

Intervenção na Assembleia da República, apresentando o projeto de lei do Bloco apresentando uma nova lei dos baldios, sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Carlos Matias: "Importa garantir que a propriedade dos baldios é das comunidades e é inalienável"

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro técnico de comunicações. Dirigente do Bloco de Esquerda
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