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Floresta: Por uma via de intervenção associativa

Perante o recorrente drama florestal anual, que fazer? Assumir a manutenção da situação como uma fatalidade?

Todos os anos o País é assolado com o flagelo dos incêndios, tornando-se uma calamidade nacional com custos elevadíssimos em recursos florestais, ambientais e paisagísticos, perdas de bens e sobretudo sofrimentos das populações envolventes e, por vezes, perdas de vidas. Por causas naturais, desleixos em queimadas, cigarros, ateamentos criminosos ou patológicos Portugal conheceu este ano fogos em 160.000 ha, cerca de metade da superfície ardida na Europa.

É conhecido o diagnóstico resultante da mudança duma sociedade agrária para uma sociedade urbana a partir dos anos 70-80, em que as velhas atividades e funções da floresta (roça do mato para camas de gado e fertilizantes orgânicos, o corte de lenhas para aquecimento e consumo doméstico, o pastoreio de ruminantes) diminuíram, desapareceram e foram substituídas por equivalentes funcionais como os fertilizantes químicos, o consumo de gás e eletricidade, o pão em (super)mercados. Concomitantemente, para o relativo despovoamento contribuíram o êxodo rural dos anos 60 e 70; o agravamento do desequilíbrio litoral-interior; o abandono e a desvalorização da agricultura graças a políticas da PAC e sucessivos governos, a começar por Cavaco Silva; a saída de jovens para formação e trabalho nas cidades do país ou no estrangeiro; as políticas de encerramento de infraestruturas e equipamentos na educação, na saúde, nos correios e noutros serviços públicos.

Perante o recorrente drama florestal anual, que fazer? Assumir a manutenção da situação como uma fatalidade? Nacionalizar a floresta e/ou as matas serem geridas pelo Estado, eventualmente em articulação com as Câmaras?

Se manter a situação de inércia e desorganização só favorece quem retira dela lucros e rendas (grandes proprietários, empresas de celulose e alguns madeireiros sem escrúpulos), nacionalizar a floresta pode seduzir mentes alegadamente coletivistas mas esbarram com a realidade do país rural minifundiário do Norte, Centro e do Algarve. Esta estrutura minifundiária, cuja média de terreno florestal por proprietário é de 2000 m2 com parcelas dispersas, com vários herdeiros, bastantes emigrados ou em eventual litígio de partilhas, não se desfaz por decreto. Só quem ignore o fracasso de diversas visões nomeadamente liberais sobre o campesinato, os velhos dilemas teóricos e histórias de desencontro entre operários e camponeses não só nos países do leste europeu como de países mediterrânicos e, em particular, só quem desconheça trabalhos e teses não só de agrónomos, geógrafos e economistas rurais como sobretudo de sociólogos e antropólogos nos últimos 30 anos em Portugal sobre as comunidades rurais pode lançar peregrinas ideias de nacionalização da floresta. Só quem não conheça as lógicas, estratégias e mentalidades de pequenos produtores rurais e silvícolas mas amiúde sem recursos para operar hoje uma limpeza da sua mata, pode pensar resolver magicamente o problema por uma estatização da floresta. Mais etéreo ou politicamente irrealista é o posicionamento em prol duma nacionalização imperativa da floresta similar a questões como a energia ou a banca, passando por cima de centenas de milhares de pessoas e famílias camponesas ou já (des)camponizadas e atomizadas mas ainda ligadas à terra, às suas memórias e vidas, poupanças e produto do trabalho de anteriores gerações.

Resta a alternativa trabalhada pelo Bloco de Esquerda, seus deputados e especialistas que, conhecendo o país, enveredam por uma via de intervenção não estatista mas associativa, societária ou cooperativa de produtores através de uma das figuras jurídicas existentes, desde que aprovada pelos próprios proprietários sob o princípio de um voto por cada proprietário e com redistribuição de ganhos conforme as parcelas possuídas. Definido um plano de registo dos proprietários, um programa de ordenamento, aproveitamento, tratamento e gestão equilibrada da floresta e suas diversas espécies (autóctones e outras mais rentáveis), tal planificação indicativa e realista, implicando a intervenção em escala e com recurso a fundos nacionais e europeus no quadro do Horizonte2020, deverá visar também a implementação de medidas de prevenção estrutural e contenção de fogos (aceiros, corredores ecológicos, estradões florestais, faixas corta-fogos).

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo. Professor universitário.
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