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Feira do Livro, um espaço não só de cultura

Um espaço que se queria de cultura, de conversas, de passeio e de troca de conhecimentos transforma-se também num espelho do trabalho gratuito e na falta de alternativa de futuro dos jovens.

As políticas de austeridade da troika e deste Governo têm encurralado uma geração inteira. Se uns são forçados a emigrar; outros são obrigados a sujeitarem-se a trabalhos com míseros salários e onde a precariedade é a regra, quer se trate de regime de part ou full-time em call centers, quer de estágios ou voluntariado. Estes são-nos apresentados como se fossem um favor, um privilégio, sob o pretexto de ganharmos experiência para entrarmos, eventualmente, no mercado de trabalho, quer tenhamos formação superior ou não. Entretanto, ocupamos postos laborais que deveriam ser muito melhor ou remunerados de todo. Em troca, as empresas aumentam os lucros ao pouparem no fator trabalho e ao não contratarem trabalhadores, rodam sucessivamente jovens pelo mesmo posto laboral. Em suma, não existem boas opções, apenas podemos escolher as que perspetivamos serem as menos más para podermos respirar um pouco mais. Emigrar ou sermos "novos" escravos. É este o país competitivo que Passos Coelho tanto elogia e deseja.

A Feira do Livro de Lisboa, um evento cultural por que muitos lisboetas anseiam para poderem ter acesso a livros com preços relativamente mais baixos e conviverem com familiares e amigos num ambiente diferente, aderiu em 2013 à prática do voluntariado pela mão da sua organizadora, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL). Em 2014, o então Presidente da APEL, João Alvim, afirmou que o voluntariado na Feira do Livro de 2013 foi um sucesso, uma “mais-valia” e que motivou para que se continuasse a realizar em 20141. Claro que foi, depende é para quem. Como sucesso transmitiu a ideia de cerca de 15% dos voluntários da edição de 2013 terem conseguido, graças à experiência, arranjar uma oportunidade de trabalho junto de editores e parceiros. Então e os restantes 85%? Trabalharam à borla durante semanas para uma Associação que possui o monopólio da representação das editoras e livreiros e que, só por acaso, ganha lucros avultados. A APEL também deve ter considerado o voluntariado da Feira do Livro de 2014 um sucesso, pois volta a abri-lo para a edição deste ano. Infelizmente, o voluntariado na Feira do Livro parece ter-se institucionalizado.

Um espaço que se queria de cultura, de conversas, de passeio e de troca de conhecimentos transforma-se também num espelho do trabalho gratuito e na falta de alternativa de futuro dos jovens. Este ano, tal como nos anteriores, a cultura não será a única a passar pela Feira do Livro. Lembremo-nos disto quando lá formos.


Sobre o/a autor(a)

Mestrando em Ciência Política
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