A Europa dos pequeninos

porJoão Vasconcelos

13 de março 2025 - 16:09
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O que a UE/Europa deve fazer, para ser levada a sério, é a elaboração de um verdadeiro plano de paz para acabar com a guerra e apresentá-lo na ONU para ser discutido e aprovado e sempre com a intervenção da própria Ucrânia. E tanto Putin como Trump devem retirar as mãos da Ucrânia.

A hegemonia da influência europeia a nível mundial, particularmente por parte das grandes potências, acentuou-se nos finais do século XIX e inícios do século XX. O crescimento industrial e financeiro de alguns desses países, como o Reino Unido, a França e a Alemanha, fez com que expandissem as suas áreas de influência a outros territórios, levando ao desenvolvimento de uma nova fase de colonialismo e imperialismo.

Esta nova fase foi motivada pelo acesso a matérias-primas a baixo custo, a procura de novos mercados para o escoamento da produção industrial, a procura de novos destinos para a emigração europeia e a demonstração do poder militar procurando afirmar a superioridade civilizacional europeia face a outros povos, reveladora de uma política fortemente racista.

Com o fim da I Guerra Mundial, em 1918, a Europa perdeu a sua hegemonia e entrou em declínio a nível económico, financeiro e militar e passou a ficar dependente dos E. U. A., a nova potência em ascensão a nível global. Devido à guerra, os governos europeus contraíram empréstimos avultados junto dos E. U. A. para pagar a importação de bens e a reconstrução das cidades, passando a Europa de credora a devedora dos norte-americanos.

Com e após a II Guerra Mundial, com o Plano Marshall de 1947 (que visava a reconstrução europeia, o fortalecimento dos regimes de democracia liberal e conter o avanço da influência da URSS), a criação da NATO em 1949, o período da “guerra fria” e mesmo após a queda do muro de Berlim e a desagregação soviética em 1991, a Europa ocidental e depois mais alargada com os novos regimes de leste ficou reduzida a um mero pigmeu, encolhida debaixo do guarda-chuva da superpotência imperialista norte-americana. A própria fundação da Comunidade Económica Europeia/CEE em 1957 e os sucessivos alargamentos, passando pela sua transformação em união económica, política e monetária, a União Europeia em 1993, em vez de diminuir, reforçou, em todos os domínios, a dependência e a subserviência em relação ao Império do Tio Sam.

A NATO, que nos dias de hoje engloba 30 países do continente europeu, foi e é uma forma de subjugação deste velho continente pelos E. U. A. a pretexto, antes da ameaça comunista soviética, depois da ameaça terrorista islâmica, agora da ameaça russa putinista. A NATO funciona assim como a mão armada do imperialismo norte-americano e todos os governantes europeus, de forma consciente, se têm prestado a este papel rastejante e indigno. Todos os governos europeus, incluindo o português, com mais ou menos nuances, têm secundado e embarcado sem pestanejar nas ações dos E. U. A. Tem sido assim no apoio à guerra de extermínio dos genocidas do Estado de Israel perpetrada contra o povo palestiniano de Gaza e da Cisjordânia e na guerra da Ucrânia provocada pela invasão russa.

Sobre a guerra da Ucrânia basta atentarmos sobre o que se tem passado nos últimos dias. A Europa tornou-se irrelevante e até ridícula no que respeita a esta matéria. Os seus governos encontram-se em estado de choque perante as posições e imposições do todo-poderoso Trump, que além de um magnata trapaceiro é um lunático extremista muito perigoso. Trump deu a mão a Putin e procura acabar com a guerra excluindo a Europa e até a própria Ucrânia da mesa das negociações. Uma situação inaceitável e ultrajante, em particular para a Ucrânia.

Mas… e a União Europeia? A União Europeia mais o Reino Unido estão a colher aquilo que plantaram ao longo de várias décadas. O que temos agora é uma Europa dos pequeninos. Só agora é que estão a falar e muito timidamente num “plano de paz” para acabar com a guerra na Ucrânia. Muito timidamente e de forma caricata e até muito perigosa.

Ao longo dos últimos três anos, desde a invasão ilegal da Ucrânia, a Europa nunca se preocupou em apresentar qualquer plano de paz para o fim da guerra e sempre se colocou na dianteira alinhando ao lado de Biden e do complexo militar-industrial norte-americano, sempre ao lado do “partido da guerra”. A palavra de ordem da NATO e da Europa foi o escalar da guerra a cada dia que passava, alardeando aos quatro ventos que era preciso impor a derrota estratégica da Rússia que não passa de uma miragem. Os trágicos resultados desta escalada de uma guerra por procuração estão à vista de todos: milhares e milhares de vítimas mortais e de feridos, cidades e aldeias destruídas, milhões de refugiados, 150 mil desertores de uma guerra em que já não acreditam e uma Ucrânia despedaçada e em vias de ser abocanhada, não só pelo imperialismo russo putinista, mas também pelo imperialismo norte-americano trumpista. Os governos europeus são os grandes responsáveis por se ter chegado a esta situação.

Perante a nova aliança Trump-Putin e o que se está a conjeturar para a Ucrânia deixou a União Europeia em polvorosa e numa completa baralhação. Os seus principais dirigentes, como Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia e António Costa, Presidente do Conselho, foram completamente secundarizados e até ridicularizados por outras figuras menores, ávidas de protagonismo e que nem conseguem solucionar os seus problemas domésticos, como Emmanuel Macron, Presidente de França e Keir Starmer, primeiro-ministro britânico e cujo país se encontra fora da UE.

A seguir à Conferência de Segurança de Munique, Macron numa semana organizou e reuniu em Paris duas cimeiras para discutir a Ucrânia e a segurança europeia. A primeira contou, além dele próprio (França), com os chefes de alguns países europeus, como Alemanha, Reino Unido, Itália, Polónia, Espanha, Holanda, Dinamarca, António Costa e Ursula von der Leyen da UE, e Mark Rutte, secretário-geral da NATO. Todos os outros não chegaram a ser convidados, como o primeiro-ministro de Portugal. Na segunda reunião estiveram presentes, além da França, o Canadá, Noruega, Estónia, Letónia Lituânia, República Checa, Grécia, Finlândia, Roménia, Suécia e Bélgica. Portugal participou por videoconferência, mas outros países da UE voltaram a não ser convidados, como a Hungria e a Eslováquia, que alinham pela Federação Russa e, o que é de estranhar, os Países Baixos, Luxemburgo, Irlanda, Eslovénia, Croácia, Áustria, Chipre e Malta. Macron, ao promover esta divisão europeia, com as potências mais poderosas à cabeça e desprezando os países mais pequenos, acabou por jogar a favor de Trump que “não morre de amores” pela União Europeia. Estas reuniões revelaram-se como autênticos fracassos, pois nada sobressaiu a favor da paz na Ucrânia.

A seguir à humilhação de Zelensky por Trump na Sala Oval, foi a vez de Starmer reunir em Londres com os líderes da França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Espanha, Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Polónia, República Checa, Roménia, Turquia, Canadá, Ucrânia e mais Mark Rutte, Ursula von der Leyen e António Costa. Portugal e muitos outros países das UE não chegaram a ser convidados para uma cimeira que se propunha, mais uma vez, tratar da segurança da Europa e conseguir um bom resultado para a Ucrânia. E qual foi o plano para a paz que saiu desta cimeira? Zero! O que foi decidido foi continuar a alimentar o “partido da guerra” na Ucrânia através da concessão de mais um empréstimo de 2,74 mil milhões de euros, sabendo-se de antemão que esta guerra se encontra totalmente perdida. Por outro lado, Starmer com a sua iniciativa e à semelhança de Macron, voltou a humilhar vergonhosamente a União Europeia e os seus dirigentes, ou seja, a Europa dos pequeninos que quer voltar a ser grande. Com uma agravante – o Reino Unido nem tão pouco faz parte da UE!

O que a UE/Europa deve fazer, para ser levada a sério, é a elaboração de um verdadeiro plano de paz para acabar com a guerra e apresentá-lo na ONU para ser discutido e aprovado e sempre com a intervenção da própria Ucrânia. A guerra já não representa qualquer solução, só conduz a mais destruição e morte. E tanto Putin como Trump devem retirar as mãos da Ucrânia. A última palavra deve pertencer ao povo ucraniano.

João Vasconcelos
Sobre o/a autor(a)

João Vasconcelos

Professor. Mestre em História Contemporânea.
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