Estados Unidos da Europa: este antigo sonho de Victor Hugo ressuscitado por personalidades tão díspares quanto Trotsky ou Churchill, voltou a renascer das cinzas há uma semana pela voz de Ursula von der Leyen, ministra do trabalho alemã e aspirante à sucessão de Angela Merkel. Que a proposta é transversal, prova-o o facto de Gerard Schroeder, antigo primeiro-ministro alemão social-democrata, ter vindo a público em sua defesa.
Entre a profecia de uma Europa sem fronteiras, capaz de realizar a liberdade, a igualdade e a fraternidade por cima das nações, e as recentes declarações de políticos alemães, as motivações são muito diferentes. Eu reconheço-me no sonho, mas duvido da bondade dos argumentos económicos invocados pelos segundos.
Contudo, a história gosta de escrever direito por linhas tortas. A ministra alemã e o antigo líder socialista, que não são propriamente visionários, têm razão no diagnóstico que apresentam. Diz Ursula que "a moeda única não é suficiente para fazer face à competição global"; acrescenta Schroeder que "a ausência de uma política comum económica, fiscal e mesmo social, explica as dificuldades que a zona euro hoje atravessa". O antigo primeiro-ministro critica ainda Merkel por atribuir aos "governos despesistas" do Sul as responsabilidades pela crise, em vez de mexer na "arquitectura política do euro".
Partilho o diagnóstico: as dificuldades da moeda devem-se às fragilidades institucionais que enquadraram a sua criação. Mas... federar à pressa resolve? Tenho as maiores dúvidas. Antes de federar, há pelo menos três problemas institucionais que lhe são prévios: a) a ideia de que a contrapartida orçamental do euro é a sua disciplina Estado a Estado – e não um orçamento europeu forte – falhou rotundamente; b) a tese de que um euro sobrevalorizado face ao dólar beneficia a Europa, agravou a divergência entre países excedentários e deficitários no interior da própria União; e c) a hipótese de que o crescimento e a criação de emprego dependem da austeridade, está a suicidar a economia europeia, atirando-a para nova recessão com repercussões mundiais. Sem a prévia solução destes estrangulamentos – ou seja, sem mudar a política – o federalismo apenas centraliza as rédeas do desastre, ampliando-o.
Hoje, a hipótese federal é um salto no escuro com o abismo pela frente. A cadeia de asneiras em que a União mergulhou desde que tentou aprovar uma Constituição sem Constituinte eleita, dificulta a exploração de novas vias democráticas e racionais. À luz do divórcio entre povo e poder a hipótese federal surge como suspeita por defeito e feitio. É por isso que salvar o projecto europeu dos populistas antieuropeus não dispensa a crítica de uma aventura federal com mercados, mas sem cidadãos.
Artigopublicado no jornal "Sol" de 9 de Setembro de 2011