Na minha opinião, não!
A esquerda continua presente nas ruas, nos bairros, nos movimentos que resistem, no poder popular como as ações pela habitação, na solidariedade com a Palestina, no movimento Vida Justa. Estes são exemplos vivos de organização popular que não se renderam.
Mas há um paradoxo que não podemos ignorar: a cada eleição, a esquerda perde força parlamentar. E isso exige reflexão.
Porque é que uma visão agressiva do mundo, promovida pela extrema-direita, está a ganhar terreno face ao projeto solidário da esquerda? O que está a falhar na ponte entre a rua e o voto?
Durante a crise da Troika, a esquerda portuguesa ergueu bandeiras claras: contra os cortes salariais, pela reposição dos feriados, pela defesa dos direitos laborais. Essa postura aproximou os trabalhadores dos partidos de esquerda, e culminou na formação da “geringonça”, que, apesar das suas limitações, permitiu avanços sociais significativos.
Prova disso é que, após o seu fim, o povo português concedeu ao PS uma maioria absoluta. Se esses tempos tivessem sido tão negativos como hoje alguma direita apregoa, provavelmente os resultados dessas eleições teriam sido outros.
Mas nos últimos cinco anos, Portugal mudou e a politica também.
Vivemos numa era de opiniões absolutas, onde discordar é sinónimo de antagonismo. A direita populista soube adaptar-se a esta nova realidade: simplificou o discurso, colou rótulos à esquerda e ocupou o espaço emocional do debate.
Assumiu a luta contra a corrupção, insinuando que a esquerda é corrupta. Defendeu a ordem, sugerindo que a esquerda promove o caos. Invocou a defesa da família, acusando a esquerda de a querer destruir — ignorando que lutar contra a homofobia é, também, lutar por famílias.
Esta narrativa, embora simplista, tem funcionado, como se pode ver na guerra entre Israel e o Hamas: se a esquerda defende o povo palestino, é acusada de apoiar o terrorismo. Como se a morte de crianças inocentes — palestinas ou israelitas — fosse uma questão de trincheiras ideológicas.
A bipolarização está a matar a esquerda. Alimenta-se de fake news, incitação ao ódio e falta de empatia. É uma tática eficaz, mas perigosa. Se continuar a prosperar, tornará a nossa sociedade num lugar feio para se viver.
A esquerda precisa de reaprender a comunicar. Precisa de estar perto das pessoas — nas ruas, nas escolas, nos bairros, nas lutas do dia a dia. Precisa de falar uma linguagem clara, direta, até populista se for preciso. Porque se esse discurso funciona para um lado, também pode funcionar para o outro.
É urgente mostrar que o problema das pessoas não é o imigrante que ganha menos e vive pior, mas sim as desigualdades que se aprofundam para a generalidade das pessoas. A esquerda tem de fazer crer que é na organização popular, na solidariedade e na ação coletiva que se combate a desinformação.
A direita populista conseguiu desviar o foco da luta, vivemos tempos onde os mais vulneráveis são empurrados uns contra os outros, numa guerra entre quem tem pouco e quem não tem nada!
Termino com uma frase que vi escrita no evento popular de ciclismo da subida da Rampa do Vale de Santo António em Lisboa, organizada pelo Mirantense FC e pela ADR “O Relâmpago” (bons exemplos de que a organização popular está bem activa):
“Aqui não há estrangeiros somos todos vizinhos!”