Em Moçambique conta-se uma anedota reveladora de como a Economia é vista pela população. Tendo um hipopótamo caído num fosso de uma aldeia, as pessoas resolvem chamar três peritos para encontrar uma solução para o tirar de lá. Primeiro, vem um arquitecto, que desenha uma rampa com a inclinação certa para que o hipopótamo consiga sair do fosso. A seguir, vem um engenheiro, que projecta um guindaste capaz de remover o hipopótamo do fosso. Finalmente, aparece um economista, que diz “bom, vamos assumir que o hipopótamo não caiu no fosso”.
Infelizmente, o trabalho feito por grande parte dos economistas não se distingue muito desta realidade. Trabalhando com pressupostos irrealistas, concebem um mundo imaginário onde tudo corre bem desde que os “mercados” possam funcionar livremente, para no fim concluir que o grande problema da sociedade é não se parecer mais com a sua utopia. Perante divergências entre as conclusões dos seus estudos e a realidade, simplesmente concluem que a realidade está errada. Não admira, portanto, que, mesmo durante uma recessão mundial que a ortodoxia económica foi incapaz de prever e que é incapaz de resolver, os curricula das faculdades de Economia se mantenham inalterados.
Na maioria das faculdades de Economia em todo o mundo, ainda se faz de conta que os agentes económicos são racionais, que os mercados se auto-regulam e tendem para o equilíbrio e que vivemos num mundo de informação e concorrência perfeita, onde não existe poder, incerteza, dependência de trajectória ou qualquer outra “impureza” que nos impeça de criar modelos matemáticos perfeitos para um mundo perfeito. De pouco interessa salientar que o mundo não é perfeito e que o modelo de análise é profundamente irrealista, já que Milton Friedman, grão-mestre do neo-liberalismo, resolveu este problema circunscrevendo a função da Economia à previsão. Interessará, no entanto, salientar como as previsões baseadas em modelos irrealistas são, inevitavelmente, irrealistas.
As faculdades de Economia tornaram-se em meios de lavagem cerebral e de eliminação do pensamento crítico. A primeira aula de um curso de Economia é habitualmente dedicada a estudar a parte do manual oficial que diz como pensa um economista. Antes de poderem ter qualquer contacto com a teoria económica, os estudantes são, assim, doutrinados com uma lição que apresenta todo o estudo económico que fuja à ortodoxia como sendo algo de fora da Economia.
Naturalmente, discordo deste método de ensino. Creio, contudo, que faz sentido estabelecer algumas regras básicas para o exercício da actividade da Economia, desde que essas regras não sejam entendidas como absolutas e indiscutíveis. Aqui vou discutir apenas uma, que penso ser a mais consensual e importante.
Podemos formular a regra nº 1 da Economia muito simplesmente como: “não ser estúpido”. Quer isto dizer que a insistência na defesa de uma teoria que foi claramente desacreditada teórica e empiricamente ou na defesa de uma política que comprovadamente falha perante os seus próprios critérios de sucesso não deve fazer parte da Economia. Errar é humano, diz o ditado. À primeira qualquer cai, à segunda cai qualquer, à terceira só cai quem quer, diz outro ditado.
Daqui decorre a distinção mais importante na Economia, que supera mesmo a distinção entre ortodoxia e heterodoxia: a distinção entre a Economia Estúpida e a Economia Não Estúpida (não necessariamente inteligente, note-se). Esta distinção é para mim suficientemente importante para que não dê qualquer importância ao que sai das mentes dos teóricos da Economia Estúpida, sem correr com isso o risco de estar a perder um qualquer desenvolvimento teórico minimamente importante. Isto porque eles dizem sempre a mesma coisa mas também, e sobretudo, porque o que dizem raramente está certo.
A Economia Estúpida incorpora tanto a ortodoxia económica como o comentário mediático. No campo académico, produz ignorância e falta de sentido crítico. No campo mediático, reproduz a ideologia da inevitabilidade.
Os impactos nos dois campos têm implicações muito diferentes. Embora seja directamente prejudicado enquanto investigador pela discriminação de que é alvo a economia heterodoxa (e até a economia ortodoxa não estúpida, que também existe embora seja espécie rara), o que me preocupa seriamente no dia-a-dia é a forma como é quase impossível para um economista “não estúpido” ser convidado para comentar uma notícia na comunicação social. A dominância da Economia Estúpida na produção de ideologia é realmente brutal e creio que é um dos factores que nos permite explicar o porquê de termos populações a votar em políticos que trazem como programa de governo a purificação pelo empobrecimento geral. Quando até um ignorante sem qualquer formação em Economia pode ter direito a falar na televisão ou em conferências sem contraditório sobre questões económicas porque a sua mensagem agrada ao poder político, sabemos que batemos no fundo.
Do outro lado da barricada, a Economia Não Estúpida trava uma dura batalha pelo direito a ser ouvida no debate económico. Creio que esta é a mais importante batalha a ser travada por quem vê a Economia como uma ferramenta para poder analisar e transformar a sociedade no sentido de ser mais justa, igualitária, sustentável e democrática. Se não conseguirmos conquistar mais espaço nas faculdades, nas conferências, nas televisões e em todos os meios de comunicação e ensino para a Economia Não Estúpida não seremos capazes de desmontar as falsas ideias da Economia Estúpida. Como consequência, teremos sociedades cada vez mais pobres, mais desiguais, mais autoritárias e, acima de tudo, mais estúpidas.
