Educação: uma esquerda assertiva contra a febre neoliberal

porMiguel Correia

15 de junho 2024 - 22:15
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É preciso conceber a escola como um espaço que prima pelo exercício da cidadania e da democracia quer nos conteúdos curriculares, quer na gestão.

Na Educação, exige-se a afirmação de um discurso assertivo da esquerda face ao neoliberalismo hegemónico, que encontramos frequentemente reproduzido nos discursos parlamentares do PS, PSD, CDS, CH e IL. O conceito de discurso, que aqui nos interessa, diz respeito não só à linguagem, mas a todos os fenómenos sociais, e assume hoje importância na medida em que é a base das mensagens políticas que os partidos procuram veicular nos vários canais de comunicação de que dispõem.

O PS tem sido, em Portugal, um dos principais responsáveis pela difusão do discurso neoliberal na Educação, revelando um conflito interno entre o desenvolvimento da escola meritocrática ao mesmo tempo que diz defender a promoção e consolidação da escola pública para todos e todas. 

No entanto, na Assembleia da República, o PS apoia modelos de gestão escolares centralizados numa lógica de eficácia, eficiência e de controlo de qualidade, o que introduz uma lógica do mercado no ensino-aprendizagem, integrando todos os estudantes, independentemente dos seus contextos sociais e culturais, no modelo de competitividade que a direita tanto apregoa. O discurso do governo minoritário da AD evidencia, também, uma total permeabilização à matriz do neoliberalismo. Há uma ideia de escola difundida como um espaço de transmissão de competências com valor de uso no mercado de trabalho, num afastamento da conceção da escola como espaço de participação democrática e de emancipação. 

Na época da Troika, Passos Coelho dizia que vivíamos “acima das nossas possibilidades”. O problema era a cultura portuguesa, que valorizava a estabilidade laboral e treinava os portugueses para serem trabalhadores em vez de empreendedores. Nem a escola pública passava ao lado do discurso bacoco do empreendedorismo, agora retomado em força pela AD. Estas narrativas sobre empreendedorismo e liderança foram injetadas em doses massivas nas cabeças dos jovens portugueses ameaçados pelo desemprego e pela precariedade, como relata o romance Sinais de Fumo, de Alex Couto. 

Hoje, do lado da direita radical, a defesa da não ingerência do Estado restringe-se à educação para a cidadania, dado que estes partidos exigem que o Estado intervenha, através de financiamento da escola privada, numa visão positiva do Estado enquanto criador de condições para a competição entre escolas e mero regulador da oferta de serviços educativos. Perante a deterioração da escola pública, parecem ter apenas a oferecer cheques-ensino, fomentando as desigualdades. 

Ora, o Bloco de Esquerda deve revelar um discurso para a Educação que procure ser contra-hegemónico relativamente ao neoliberalismo, concebendo a escola como um espaço que prima pelo exercício da cidadania e da democracia quer nos conteúdos curriculares, quer na gestão. Se a escola pública passou a receber alunos de classes sociais diversificadas e com características culturais diferentes, é legítimo pensar que tem de se organizar, no que concerne aos processos de desenvolvimento do currículo e da avaliação das aprendizagens, para responder a essa diversidade, por exemplo através do ensino do Português como Língua Não Materna, que exige a contratação de docentes qualificados.

Enquanto que o debate se centra na recuperação do tempo de serviço dos professores, uma das reivindicações justas do Bloco, não nos esqueçamos dos outros problemas que a Educação enfrenta, sobretudo ao nível da formação inicial de docentes, dos processos de recrutamento e das questões pedagógicas associadas ao uso do digital. Esses serão os desafios, a curto-prazo, da esquerda no Parlamento.

Miguel Correia
Sobre o/a autor(a)

Miguel Correia

Doutorando em Ciências da Linguagem, professor de Português e Assistente Convidado na FLUP. Membro da comissão coordenadora concelhia de Santo Tirso do Bloco de Esquerda.
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