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E tudo a Sandy levou

O furacão, acompanhado de pesadas chuvas, caiu como uma bomba nos EUA, ironicamente interrompendo uma campanha eleitoral em que as questões ambientais estiveram completamente ausentes.

O furacão Sandy, acompanhado de chuvas torrenciais, causou tantos estragos que já entrou para a categoria de supertempestade ou, para usar um termo mais popular nos dias de hoje, uma “frankentempestade”. O termo é perfeito, dado que tempestades como esta não são apenas produto de alterações naturais no clima, mas antes refletem os resultados da perigosa experiência que consiste em extrair enormes quantidades de combustíveis fósseis e queimá-los para produzir energia.

Até agora, contam-se 185 mortes, das quais 11 ocorreram em Cuba, 54 no Haiti e mais de 113 nos EUA. Os estragos provocados nestes países, assim como na Jamaica, na República Dominicana e no Haiti, ascendem a dezenas de biliões de euros, prevendo-se já que será o segundo furacão atlântico mais destrutivo de sempre, a seguir ao Katrina, em 2005.

A questão que ecoa na comunicação social no seguimento de uma “frankentempestade” é sempre a mesma: pode a ciência estabelecer uma relação de causa-efeito entre a sua ocorrência e as alterações climáticas? A resposta honesta dos cientistas é sempre a mesma: não, não é possível isolar uma tempestade e determinar quais as suas causas de forma inequívoca. Mas, acrescentam, o clima está de tal forma alterado devido à emissão de gases com efeito de estufa que qualquer evento climático será produto tanto de causas naturais como das alterações climáticas.

Kevin Trenberth, climatologista do National Center for Atmospheric Research, explicou que a temperatura do mar na costa atlântica tem estado superior ao normal este ano em 3ºC, sendo que estima-se que o aquecimento global contribua com 0,6ºC para este aumento. Ora, com um tempo mais quente, a humidade na atmosfera aumenta, e como o vapor de água funciona como combustível para as tempestades, é de esperar que estas se tornem mais intensas.1

O furacão, acompanhado de pesadas chuvas, caiu como uma bomba nos EUA, ironicamente interrompendo uma campanha eleitoral em que as questões ambientais estiveram completamente ausentes.2 Não é provável que tenha implicações na política ambiental do futuro presidente, dado que ambos os principais candidatos defenderam a continuação do uso do carvão e a expansão da extração de petróleo e gás natural. Mas é de esperar que o Sandy seja capaz de mostrar aos movimentos ecologistas dos EUA a necessidade de serem mais ambiciosos e exigentes, particularmente tendo em conta que Obama não cumpriu nenhuma das suas promessas eleitorais no que diz respeito à mudança de paradigma energético.

Existem já vários movimentos que compreenderam que não é num sistema eleitoral corrupto e profundamente anti-democrático que se joga o futuro dos EUA, mesmo que nele participem, mas antes nos protestos e campanhas cívicas. Um exemplo é o movimento que se opõe à construção do oleoduto Keystone, um projeto para trazer o petróleo das areias betuminosas canadianas para o sul dos EUA.

Este movimento usa táticas de desobediência civil não violentas para impedir a construção do oleoduto. Num dos seus protestos recentes, a candidata dos Verdes às presidenciais apoiada pela esquerda, Jill Stein, foi presa.3 A embaraçosa notícia não passou na Fox ou na CNN.


2 Noam Chomsky, “Os temas que Romney e Obama evitam: desastre ambiental e guerra nuclear”,

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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