Está aqui
E se trabalhássemos menos?
No contexto atual, de degradação e agudização do conflito social, entre o trabalho e o capital, é premente não só defender o que já foi conquistado, mas também avançar ainda mais a luta pela dignidade do trabalho, com vista à transformação da sociedade.
Ao contrário do que é defendido pela direita e pelos patrões, a política não fica à porta do emprego. O contexto laboral deve ser assumido como um lugar de politização – importa transformar aquilo que é visto como uma necessidade/ inevitabilidade num espaço de disputa e de alternativas.
Vale a pena, então, discutir alternativas ao status quo laboral: e se trabalhássemos menos? Num relatório, recentemente publicado pelos investigadores e ativistas da Autonomy (http://autonomy.work/wp-content/uploads/2019/03/Shorter-working-week-docV6.pdf), é defendida esta proposta, mobilizando o estado-de-arte da literatura, para a redução da semana laboral para 4 dias, em vez dos típicos 6 ou 5 dias, sem qualquer corte nos salários.
As e os redatores do trabalho defendem a redução com base em argumentos relevantes e a considerar.
Em primeiro lugar, a medida é boa para os e as trabalhadoras. A sobrecarga e desregulação das relações laborais está associada à degradação das condições psicológicas e físicas das e dos trabalhadores. Considerando a prevalência e aumento das patologias, como depressões e ansiedade, na população em Portugal, esta medida torna-se um imperativo, não só de justiça social, mas também de saúde pública. Como o relatório demonstra, a redução irá trazer uma diminuição significativa do stress associado ao trabalho e consequentes patologias. Os ganhos em tempo livre significariam mais tempo para fruição individual e coletiva, mais tempo para socialização e, possivelmente, mais tempo dedicado ao exercício da cidadania e ativismo.
A proposta é também positiva do ponto de vista da justiça climática, já que se traduz numa redução drástica na necessidade de movimentações pendulares entre casa-trabalho contribuindo para a descarbonização da economia e a redução do défice da balança comercial do país. Este aspeto não é de todo secundário, se considerarmos a estrutura da mobilidade em Portugal, com o imperativo do carro individual. A medida implicará uma alteração substancial dos hábitos de consumo da sociedade, despromovendo o consumo, canalizando esse tempo para outras modalidades de fruição social e coletiva.
Uma das consequências principais que o relatório aborda é a relação entre a redução da semana laboral e a igualdade de género. Esta medida iria equilibrar a balança do trabalho não remunerado associado aos cuidados que, numa sociedade profundamente marcada pelas relações patriarcais, recai sobre as mulheres.
Por último, a redução da semana de trabalho irá traduzir-se num aumento da produtividade. Hoje, sabemos que a produtividade não é apenas uma questão de horas passadas no local de trabalho - é essencialmente uma questão de bem-estar dos e das trabalhadoras. Apesar das e dos trabalhadores portugueses serem dos que mais horas passam no local de trabalho, a produtividade dos mesmos é reduzida comparativamente ao resto da Europa. Por esse motivo, a redução da semana laboral seria boa para a economia, tornando o trabalho mais eficiente e contribuindo para o desenvolvimento das forças produtivas e do país.
Assumindo que o mundo laboral está embebido de política, é quase um lugar comum declarar que a atual realidade laboral é altamente benéfica para os patrões, em detrimento das e dos trabalhadores. Ora, se a redução da semana laboral for posta em prática, vai constituir uma sociedade de pleno emprego e, por essa via, conduzirá a uma rutura da atual relação de forças entre trabalho e capital. Os trabalhadores e trabalhadoras só tem a ganhar com a proposta, especialmente se articulada ao alargamento substancial das funções sociais do estado.
A redução da semana laboral, sem qualquer corte nos salários, não é só uma extensão do histórico projeto político do movimento operário organizado, é também uma boa medida para o meio ambiente, para a igualdade entre géneros, para a saúde pública, para as relações sociais entre pares e para o próprio desenvolvimento individual.
Esta é uma medida urgente e que merece toda a centralidade nos debates futuros. É, acima de tudo, uma proposta de fundo que vai ao centro das relações sociais do capitalismo.
Comentários
Concordo em absoluto!!!
Concordo em absoluto!!!
Adicionar novo comentário