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Do bom domingo de Rui Moreira ao benemérito Conde de Ferreira que esqueceram ser negreiro
No domingo dia 14 de agosto, vi um post na página de Facebook do Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira desejando um bom domingo, com a partilha de um artigo de título “Histórias da cidade: Conde que se tornou benemérito nacional após a sua morte”, sobre Joaquim Ferreira dos Santos, o 1º Conde de Ferreira.
Como cidadão interessado na História e em particular na História do Porto e da Freguesia de Campanhã, fui com toda a curiosidade ler o artigo, até por ser um artigo do portal de informação da autarquia, produzido pelo Departamento Municipal de Comunicação e Promoção da Câmara Municipal do Porto, porto.pt, e que poderia acrescentar com rigor, informação que antes eu não tivesse obtido.
Qual não foi o meu espanto quando no artigo, do autor Paulo Alexandre Neves, não vi nenhuma referência ao facto de Joaquim Ferreira dos Santos ter sido negreiro e estranho ainda mais o artigo falar dos negócios com Angola e não referir também que se calcula que daí tenha transportado para o Brasil cerca de 10.000 escravos, que vendia a fazendeiros, proprietários de engenhos, recebendo em troca açúcar que posteriormente comercializava com lucros altíssimos!
Por achar que só podia ter sido lapso do site e achar que a partilha deste artigo com esta falta de informação, não seria decerto o que um Presidente da Câmara do Porto quereria divulgar, comentei no feed do post.
Parto do princípio de que quem gere a página do presidente da Câmara do Porto, partilhou o artigo sem o ler. É que se o fez conscientemente, é gravíssimo.
Em inúmeras ocasiões e eventos, muitos até com o patrocínio da Câmara do Porto, a figura de Joaquim Ferreira dos Santos, Conde de Ferreira, tem sido abordada e as suas contradições exploradas, particularmente o facto de ter sido negreiro, comerciante de escravos, mesmo depois da abolição da escravatura. Não me passa pela cabeça que possa ter sido uma desvalorização do esclavagismo e uma lavagem da personagem de um dos muitos brasileiros de torna viagem, que com o fim do esclavagismo tiveram de voltar a Portugal, ou até ser uma ode à nobreza, mesmo aquela com títulos obtidos à custa de dinheiro de negócios duvidosos ou de sangue.
A figura de Joaquim Ferreira dos Santos deve ser vista na sua plenitude, comerciante, negreiro e benemérito. Talvez tenha também com a sua vertente benemérita tentado negociar a entrada no céu. A barbárie do passado não deve ser escondida. Temos de assumir toda a nossa história. E usemos o conhecimento que dela temos para crescer, e de órgãos de comunicação da Câmara do Porto espero não menos que esse rigor, e do Presidente da Câmara do Porto que não propale histórias parciais que negam a parte difícil da nossa História e dos que pelos nossos foram traficados, explorados, torturados e mortos.
E, já agora, deixo um pequeno resumo da história de Joaquim Ferreira dos Santos, o 1º Conde de Ferreira.
Joaquim Ferreira dos Santos, quinto e último filho de um casal de lavradores, João Ferreira dos Santos e Ana Martins da Luz, proprietários pouco abastados, nasceu a quatro de outubro de 1782 no lugar de Vila Meã, Campanhã. Teve uma breve passagem pelo seminário de que aos 14 anos. Tornou-se caixeiro e em 1800 emigrou para o Brasil, na sua primeira tentativa de viagem para o Brasil o barco naufraga no Douro. Faz depois a viagem noutro barco e no Brasil é ajudado e protegido por um seu parente, tornou-se aí comerciante e dedicou-se ao comércio por consignação de bens provenientes do Porto.
O contexto das Invasões Francesas provocou uma diminuição das transações com Portugal, obrigando-o a alargar os seus negócios com a Argentina, América Central e África.
Casou com Dona Severa Lastra, uma senhora rica argentina, da qual enviuvou e foi herdeiro beneficiário.
Em Angola criou várias Feitorias e montou um lucrativo negócio negreiro que como já referi anteriormente terá transportado para o Brasil mais de 10000 escravos.
Com a independência do Brasil torna-se súbdito brasileiro. Em 1830, com a abolição da escravatura, de acordo com tratado entre o Brasil e a Inglaterra, ficou vedado aos cidadãos brasileiros, o tráfico de escravos. Joaquim Ferreira dos Santos é acusado de tráfico de escravos.
Regressa a Portugal em 1832 e curiosamente à chegada tem novo naufrágio ao qual sobrevive.
Estabelece-se no Porto, distingue-se como apoiante da causa da Rainha D. Maria II, contribuindo financeiramente e sendo pela monarca, por reconhecimento, feito Par do Reino e Barão em 1842, Visconde em 1843 e Conde em 1850.
Na sua morte, aos 84 anos, deixou por testamento a sua enorme fortuna, a instituições de beneficência, entre as quais a Santa Casa da Misericórdia do Porto, uma parte consignada a um Hospital de Alienados que foi a primeira unidade psiquiátrica criada de raiz em Portugal. A várias Ordens religiosas deixou elevadas quantias para os seus hospitais. Doou a várias instituições de meninos e meninas abandonadas. Doou 144 000$000 réis para construir 120 Escolas de Instrução Primária, que são agora conhecidas como escolas Conde Ferreira, para ambos os sexos, colocando como condição que as escolas a construir o fossem em terras que fossem vilas, cabeças e sedes de concelho, e que deveriam ser feitas segundo o risco, por ele estabelecido na respetiva planta, tendo, também, comodidade para habitação dos Professores, incluindo que tivessem aposentos e habitação para residirem. E muitas outras obras beneméritas apoiou.
Como podem ver, de tudo se faz a História, da obra feita e da barbárie, e mais aprendemos quando não se omite uma parte.
E nesta altura dos 200 anos da independência do Brasil não podemos correr o risco de deixar a História pela metade.
Comentários
Não sejamos ingénuos. O Dr.
Não sejamos ingénuos. O Dr. Rui Moreira conhece essas histórias. mas "ignora-as".
Como "ignora" muitas outras...
Assim se faça sempre...
Assim se faça sempre...
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